terça-feira, novembro 12, 2013

Não sou artista

Algumas vezes na vida pessoas que gostam do que eu escrevo sobre cinema, perguntaram-me: “Mas porque você não faz filmes também?”. É um questionamento compreensível, que encerra a ideia de que a observação não pode ser um fim em si, e sempre encerra uma ausência, a prática. Em geral eu desconverso, mas na verdade eu gostaria sim de ser um artista, mas reconheço em mim, além da falta de talento/experiência/habilidade/bagagem, um problema-chave que me impede de tentar este passo: sou uma pessoa extremamente otimista. 

Pode parecer radical, mas não acredito muito numa arte da alegria, ao menos nas artes narrativas (o cinema, o teatro, em certa medida a pintura) e na literatura. Uma arte relevante envolve sim um estado de espírito capaz de lidar de frente com tudo o que há de difícil na vida. Não pode ser confortável, conformada, ou, para usar uma palavra da qual não gosto muito, alienada. A arte é mais potente quanto mais for um reflexo da nossa relação com as dores do mundo. Não adianta fazer arte que não dói, que busca empurrar goela abaixo do leitor (no sentido amplo da coisa) uma doçura irrefletida. 

Não se trata, por outro lado, de fazer uma restrição boba e reservar os ofícios narrativos aos tristes, céticos e desenganados. Como viver sem o prazer de ver uma comédia romântica dos anos 40? A minha teoria, no entanto, é de que os grandes artistas do escapismo não estão deixando de encarar as coisas más da vida, e sim se posicionando contra elas. Não me lembro onde li isso, e nem lembro se foi sobre Vincente Minnelli ou Jacques Demy (ambos artistas do musical e da comédia, em filmes cheios de cores vivas e música doce), mas a ideia é que os filmes escapistas deles são uma reação à dureza do mundo na medida em que eles reconstroem o mundo como ele deveria ser. Nunca li essa ideia em conceito, mas se pudesse dar um nome a isso, seria o de “nostalgia da perfeição”. 

Obviamente, para chegar a esse estágio, não basta apenas decidir ignorar o lado ruim da vida e espalhar uma ideia de “muito amor”, como se a arte fosse uma foto do Instagram, onde basta escolher o filtro certo para projetar o clima que se quer, geralmente algo entre a alegria boba e uma falsa melancolia vintage. É preciso bem mais que isso: a arte requer acima de tudo reflexão, e a nulidade do que se vê e lê por aí indica que estamos nos contentando com muito pouco. Não adianta filmar ou escrever se o olhar de quem prestigia a sua arte continuar no mesmo lugar.

Eu me considero uma pessoa prática e pragmática, e me falta disposição e mesmo essa característica inata de remoer a vida para regurgitá-la em arte. Eu sempre sigo em frente, achando que vai dar tudo certo o tempo todo. Em geral, eu não penso na parte ruim das coisas, embora saiba que elas existam. Enfim, não consigo me atormentar o suficiente, e só consigo aprofundar o pensamento quando motivado pela arte alheia, ou seja, sou um espectador por essência. Tem muita gente dizendo muita coisa, e se for para ser mais uma voz banal, acho que é melhor ficar calado e apreciar o trabalho de quem tem o talento para isso.