sábado, dezembro 31, 2016

top 10 2016

Eu ia ver mais dois filmes antes de completar essa lista, mas é injusto, ver apenas para dar um veredito relâmpago. Foi mal, Hong; foi mal, Bellocchio. Bom, os dez filmes então a seguir, mas antes, cinco menções honrosas, sem ordem:

Depois da Tempestade, de Hirokazu Kore-eda
O Silêncio do Céu, de Marco Dutra
O Demônio Neon, de Nicolas Winding Refn
Brooklyn, de John Crowley
Neruda, de Pablo Larraín

Agora sim:

10 - Belos Sonhos, Itália, de Marco Bellocchio - Paulo Francis dizia que Gritos e Sussurros era o mais mais terrível de todos, porque era sobre a morte da mãe. Bellocchio faz esse filme da descrição de Francis, só que sem tangentes. A perda sempre deixa fantasmas, e às vezes nem o cinema os exorciza.
Sessão dupla: Bambi, de David Hand

9 - A Academia das Musas, Espanha, de José Luís Guerin - Um instigante filme falado, quase todo em closes, sobre as relações das pessoas com a arte, e sobre os limites invisíveis entre a vida e a ficção. Falar sobre arte não é um exercício um intelectualoide, e sim um esforço de entender a nós mesmos, como humanos.
Sessão dupla: Shirin, de Abbas Kiarostami.

8 - Elle, França, de Paul Verhoeven - Ultradesconfortável thriller de Verhoeven, que ao longo da sua carreira sempre nos fez cruzar as pernas de nervoso. Um estuprador usa sexo como arma, a vítima se defende e ataca o mundo à sua volta com um sarcasmo inclemente. Não é um filme fácil de ver, e de decodificar. Cada riso vem com culpa, Huppert e Verhoeven vêm com fúria, sem deixar prisioneiros.
Sessão Dupla: Juste Avant la Nuit, de Claude Chabrol

7 - Os Oito Odiados, EUA, de Quentin Tarantino -O Dogville de Tarantino, composto com o mesmo gusto em construir tensão e desmontar personagens, em longos e delicados capítulos, com a falta de pressa de um sádico. O cinema transborda desse teatro filmado.
Sessão dupla: Dogville, de Lars von Trier

6 - Cemitério do Esplendor, Tailândia, de Apichatpong Weerasethakul - Mais um filme estranhíssimo de Joe sobre essa paz que um certo modo de vida e pensamento em parte da Ásia forja, mesmo quando tudo ao redor parece entrar em colapso. A glória de tempos passados, por exemplo, é algo que pode ser revisitada com um pouco de imaginação, e, talvez, fé num cicerone, que pode ser um personagem que guia outro por um palácio presente em outras vidas, ou o próprio diretor, que nos abre esse universo de gente resiliente. Nada permanece, tudo permanece.
Sessão Dupla: A Cidade das Tristezas, de Hou Hsiao-Hsien.

5 - Aquarius, Brasil, de Kleber Mendonça Filho - Um amigo dia desses reclamou que esse era um filme "de tese". Eu discordo. É um filme de sentidos, de pequenas construções de significado que têm um potente efeito cumulativo para quem se interessa pelo Brasil contemporâneo, mas também sobre gente, intimidade e identidade. Mais do que um filme sobre uma mulher, é um filme sobre uma cultura intelectual e política brasileira, com todas as suas contradições, sob ataque.
Sessão Dupla: Isto Não é um Filme, de Jafar Panahi e Motjaba Mirtahmasb

4 - O Que Está Por Vir, França, de Mia Hansen-Love - um hino de amor à vida, da celebração de cada um dos seus momentos. Para cada perda, uma nova possibilidade; para cada ausência, uma chance de liberdade. Isabelle Huppert mais uma vez monumental.
Sessão Dupla: Poesia, de Lee Chang-Dong.

3 - Sieranevada, Romênia, de Cristi Puiu - Um país que cabe num apartamento, micropolítica e macroafetos em três horas exasperantes. Assim como Aquarius, um filme sobre pessoas e os espaços que elas ocupam.
Sessão dupla: Dez, de Abbas Kiarostami

2 - Julieta, Espanha, de Pedro Almodóvar - Já escrevi pelo menos três vezes sobre esse filme, mas sempre há algo mais a dizer. O filme é resultado de um projeto acabado de cinema ao mesmo tempo popular e racionalizado, intelectualmente. É um melodrama rasgado sobre conflitos de mãe e filha, mas é uma tragédia grega, passada como sempre em família, sobre a equivalência entre morte e ostracismo. Quando alguém próximo morre, a dor é infernal, mas é igualmente ruim quando a morte é em vida, pois fica evidente o tempo que se perde.
Sessão dupla: As Memórias de Marnie, de Hiromasa Yonebayashi

1 - Carol, EUA, de Todd Haynes - Foi o primeiro filme que vi este ano, e ele nunca saiu dessa posição. Conto impecavelmente clássico e grande filme de amor sobre viver de verdade e representar uma imagem, mais uma da coleção de obras-primas de Haynes, o melhor diretor americano vivo. Em mais uma versão do seu sirkiano teatro do subúrbio, o diretor ancora o filme numa inexcedível Cate Blanchett, que compõe um personagem que atua o tempo todo, e nem mesmo a paixão despe a sua carcaça - ainda assim, as emoções transbordam, como na genial cena do acordo judicial, um momento digno de uma Bette Davis, uma Joan Crawford. O seu maneirismo é perfeito para o filme, que encontra na excelente Rooney Mara a plateia ideal pro show-off de Blanchett.
Sessão dupla: Vitória Amarga, de Edmund Goulding

sexta-feira, dezembro 23, 2016

O Que Está Por Vir

Aproveitem essa semana de Natal para ver essa joia chamada O Que Está Por Vir, de Mia Hansen-Love, no Glauber e no Paseo. É um filme perfeito para o Natal, porque reafirma relações humanas e empatia como as coisas mais importantes dessa vida, só que sem as toneladas de açúcar que um filme americano dedicaria a essa história, por exemplo.

A história em questão é uma crise de maturidade de uma professora de filosofia, casada com outro professor de filosofia, e às voltas com a doença da mãe, um divórcio a caminho e os filhos fora de casa. Parece, na descrição, um filme-cabeção, mas só os franceses para navegarem pelas águas tormentosas de mil referências intelectuais de forma natural, sem a sensação incômoda de name-dropping ou de citações gratuitas. Essa é simplesmente a vida destas pessoas, e pronto.

O filme se desenvolve nesses pequenos dramas cotidianos, mas numa cena em que a protagonista lê uma passagem de Blaise Pascal, a gente percebe o quanto esses microconflitos nos fazem humanos, pequenos na sabedoria mas imensos na capacidade de sonhar e imaginar. É um filme que, sem se posicionar desta maneira abertamente, propõe a filosofia como consolo para as loucuras da vida, talvez do mesmo jeito que Poesia, de Lee Chang-Dong, defendia a arte como refúgio.

O filme coreano me veio uma ou duas vezes na cabeça, não por apenas ser uma história de uma mulher sexagenária, mas pela defesa de uma beleza possível da vida, não por negação da dor, mas pela superação das dificuldades através da dor. Numa cena milagrosa, vemos a gloriosa Isabelle Huppert chorando no ônibus (choro esse testemunhado por outra passageira, que fica algo comovida), e de repente, começa a rir ao mesmo tempo diante de uma coincidência que observa pela janela.



A vida inteira cabe no choro e no riso simultâneo de Huppert, numa atuação que ainda mais espetacular quando se tem em conta de que a mesma atriz ressuscitou a sua gélida persona chabroliana para o Elle, de Verhoeven, com renovada desenvoltura. Que mulher é essa? Provavelmente é a melhor atriz do mundo, junto com outra que também vemos neste filme, numa cena em que a personagem da Huppert vai ao cinema - o momento mais prazeroso que vimos numa tela este ano.