domingo, agosto 30, 2009

Clooney, Nichols, Resnais, etc

Pela primeira vez em muitos anos achei uma atuação de Renee Zellweger mais ou menos tolerável. Ela está bem ok em O Amor Não Tem Regras, terceiro longa de Goerge Clooney na direção, comédia screwball à Capra sobre jornalismo e futebol americano. Zellweger passa dentro do tipo da repórter intrépida, personagem que nos anos 40 parava não mão de gente como Barbara Stanwyck, Rosalind Russell e Jean Arthur.



Se Zellweger é no máximo funcional, Clooney carrega mais uma vez um filme nas costas com seu impecável talento cômico e charme antiquado, roubado de Cary Grant e Clark Gable - e ele não fica nem um pouco mal na comparação. O cara é mesmo o máximo, tem desenvoltura enorme com a câmera e sabe fazer graça tanto no lero, seduzindo a mocinha, quanto no slapstick, sujo de lama.

Clooney parece incapaz de errar nesse tipo, e isso é muito bom. Aqui ele garante a diversão, e todas as memórias que o filme deixa são de sua habilidade cômica. Como diretor, Clooney talvez precise voltar ao patamar ambicioso de seu austero e jazzístico Boa Noite e Boa Sorte.

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Mike Nichols começou a carreira com Quem Tem Medo de Virginia Woolf? e A Primeira Noite de um Homem, mas hoje em dia não é homem que honra o currículo. Depois do superescrito, pretensioso e desigual Closer - Perto Demais, ele chega ao fundo do poço com o medonho Jogos de Poder, um filme político peso-pena de 90 minutos e superficialidade assustadora.

Trata a interferência dos Estados Unidos no Afeganistão dos 80 como uma estripulia de um homem charmoso - e sem nenhuma crítica sobre isso, como nos mostram o início e o fim da projeção, com Tom Hanks recebendo um prêmio, emocionado. O filme é um erro completo de tom, não tem força para envergar a comédia até o ponto da sátira e tem a pior atuação de Julia Roberts na carreira. Philip Seymour Hoffman tirou da cartola uma indicação ao Oscar, não sei como. Bomba.

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Também detesto, e "de com força", esse Se Beber, Não Case, que estreou no Brasil agora. O fato de ser a comédia com maior bilheteria desde Um Tira da Pesada é bem revelador: estamos chafurdando na grosseria e na estupidez. Nada contra escatologia como transgressão, mas aqui, nesse filme, as piadas de banheiro são apenas uma tentativa tola de comédia maluca incessante que já era velha em 1940, uma vontade de garantir de saco de risos enquanto o final conservador (casamento, amor eterno) não chega. O horror, o horror. Para um pouco de escatologia cinematograficamente competente, ver o excelente Como se Fosse a Primeira Vez, com Adam Sandler e Drew Barrymore.

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Depois de tanta porcaria e mediocridade, nada como a beleza avassaladora de Morrer de Amor, outra obra-prima de Alain Resnais. Assim como em Mélo, o tema do amor como motor de destruição é totalmente Trufô, mas o rigidamente teatral e não-intrusivo de Resnais transformam a paixão em religião. O filme é hierático, sólido como uma rocha, duro, cheio de planos fixos e close-ups de arrasar, plenos de uma graça quase divina. A obstinação da mulher em permancer junto ao amado, mesmo do lado da morte, tornariam Bresson uma referência fácil, se Bresson falasse de amor.

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Revisto na tv, Onde Os Fracos Não Têm Vez continua sendo o melhor vencedor do Oscar desde O Franco-Atirador e o melhor longa dos Coen (Barton Fink é o segundo, de perto). Não bastasse a precisão neurocirúrgica com que cada sequência é filmada e montada (mão gela de tanta tensão), o tom apocalíptico em modo turbo radicaliza a desesperança do faroeste psicológico e suas atualizações, como Os Desajustados, e O Indomado. No fundo, primeiro próximo e sangrento de Brokeback Mountain, só que em outro gênero - em vez do melodrama, o thriller.

domingo, agosto 16, 2009

Inimigos Públicos, A Bela Junie

Ok, de volta ao blog após um longo recesso - um mês, na internet, é uma eternidade. Pois bem, tiremos logo da frente o Inimigos Públicos, meu filme mais esperado do ano, feito por um dos diretores mais sensacionais da atualidade. Havia falado num post anterior sobre autores em grande fase, como Almodóvar e Ang Lee, e da expectativa de decepção que vem junto cada vez que um desses caras lança um filme.

Dessa vez, com Michael Mann, não teve jeito. O filme tem momentos lindos, cenas de grande cinema, mas depois de Miami Vice não tem como não ver as arestas desse aqui. Por que um filme que tem Johnny Depp e Marion Cotillard fazendo o que fazem aqui precisa perder tempo com os esforços policiais para prender o bandido-protagonista?

Cada vez que perdemos Depp de vista o filme ganha uma corrente nos pés, e deixa a sensação de que estamos perdendo algo importante da relação de Dillinger e sua namorada francesa-índia, mesmo quando eles estão separados. Em seus policiais Michael Mann sempre soube administrar esse paralelismo ação-vida muito bem, especialmente em suas duas obras-primas, Fogo Contra Fogo e Miami Vice.



Johnny Depp, Dillinger

Os relacionamentos pessoais eram tão fortes que praticamente conduziam a projeção, independentemente da trama policial. Não são filmes sobre perseguições, mas sobre homens e seus conflitos - um amor de verão em Cuba, um casamento em ruínas ou uma relação difícil com uma filha. Para que esses filmes fossem, em si, "policiais", Mann exercitava todo seu epicismo em grandes cenas de ação, como aquele tiroteio de Fogo Contra Fogo, e só assim alcançava o equilíbrio público & privado que é particular a seu cinema. A cada morte, a cada ferimento a bala, a dor vinha mais forte. Tem alguém ali, uma pessoa embaixo da carcaça de vítima ou algoz.

Apesar de alguns planos realmente antológicos, no entanto, o Mann diretor de gênero deixa de impressionar, a ponto de que os assaltos a banco parecem inferiores aos do último Batman, um filme que copiou descaradamente do cineasta. Faltam elaboração e força em vários dos momentos de ação do filme, que parecem ser dirigidos por um imitador.

A substituição do fotógrafo Dion Beebe pelo veterano Dante Spinotti parece também um erro: o visual perde aquela qualidade quase surreal de improviso que os dois longas anteriores de Mann tinham, como se a luz borrada fosse análoga a notas de jazz, rebeldes, estouradas. E essa luz some justo agora, naquele filme que deveria ser o mais jazzy do diretor, e que acaba sendo o mais austero.

Lendo esses parágrafos, pode-se ter a impressão de que estou sendo negativo em relação ao filme. Não estou: antes de restrições, essas ideias são mais justificativas da inferioridade desse Inimigos Públicos em relação ao auge de Michael Mann. Mesmo assim, alguns passos atrás, ele ainda é um dos maiores gênios da atualidade, e será difícil encontrar até seu próximo longa alguem que entregue momentos como o que ele mostra aqui. O filme é sensacional, mesmo que imperfeito.

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Outro caso de diretor trabalhando um nível abaixo em relação ao que já alcançou é Christophe Honoré, mas nesse caso eu não saberia exatamente o porquê. Amei de com força seu filme anterior, Canções de Amor, e esse A Bela Junie é também muito bonito, só que não bate igual.

No fundo, é outro exercício de romantismo do diretor, só que em outro tom. Honoré continua longe dos cânones cinematográficos hollywoodianos, sem juras de eternidade e moralismos, e entende, como Truffaut, o amor em sua dimensão mais orgânica, capaz de provocar distúrbios no corpo e na alma por sua intensidade. Seus filmes exibem sexualidade exarcebada, mas não gratuita, e entendem que existe amor além do mundo hetero.



Léa Sydoux e Gregóire Leprince-Ringuet

A mudança do tom se registra na passagem da alegria do musical à sobriedade de um romance de séculos passados, adaptado a uma escola secundária da atualidade sem muitos ajustes. É um filme lindo e apaixonado, mas para manter a analogia com Trufô, não é porralouca como Jules e Jim, mas terno e rigoroso como As Duas Inglesas e o Amor.

Trufô também aparece aqui e ali na relação próxima do amor com a morte, e a saída de cena de um dos personagens tem aquela magia triste que o mestre da nouvelle vague conseguiu conjurar ao encerrar coisas como A Mulher do Lado ou A História de Adele H. É o amor como doença terminal, como diria Kléber Mendonça Filho. Mas, no todo, o filme de Honoré não suporta a comparação.

PS: Essa menina Léa Sydoux é uma revelação. Gregóire Leprince-Ringuet, que fez o garoto gay em Canções de Amor, está mais uma vez perfeito, com o coração carregado de dor. O ator do ano, provavelmente.