quarta-feira, junho 23, 2010

Oi, tô vivo...

...E, como é previsível, continuo na maré baixa de filmes. Houve uma época em que afundei de vez na minha cinefilia e vi tanta coisa que cheguei a recusar uma festa de réveillon apenas para atingir o filme número 365 no ano e fazer média de um filme por dia de verdade, como o título do livro com as críticas de Moniz Vianna.

Tem gente que vê muito mais que isso, aliás, e se isso é muito bom, também pode não significar muita coisa. Hoje percebo que não vi de verdade muitos filmes dessa fase de turbilhão, e que a gente precisa de um pouco de calma para exercitar nossa observação - pelo menos eu, especificamente.

De qualquer jeito, meu deserto cinéfilo atual não é voluntário, por uma vontade de mastigar, digerir e ruminar os filmes com calma (se não puder haver meio-termo, prefiro o ritmo vertiginoso, de longe). Simplesmente estou numa fase em que o cinema não está conseguindo abrir espaço para entrar. Na verdade, ele está comigo o tempo todo, mas não tenho tempo para renovar os votos do nosso casamento, com o ritual básico e necessário de ver novos filmes, fundamental.

Enfim, desde a última atualização vi quatro filmes:

A Dama do Cachorrinho, de Iosif Kheifits, feito em 1960 em comemoração do centenário de Chekhov. É anacrônico, e talvez por isso até um pouco fascinante em suas engrenagens a ranger, mas em termos de clima e potência, sua flacidez acaba conduzindo a mente ao Um Rosto na Noite, de Visconti, quase da mesma época. O filme de Kheifits é um melodrama que não se entrega, apenas finge, e isso não é o represamento de emoções posto em prática pelos mestres do gênero. É só um não-saber-o-que-fazer. De interesse, ainda assim.

Brigitte e Brigitte, de Luc Moullet. Menor ideia. Passo (Mas é legal!).

Este Mundo é um Hospício, de Frank Capra. O filme é uma metralhadora, mas não sei se Capra é o diretor para isso. Eu apostaria no mesmo Hawks de O Inventor da Mocidade, ou duas décadas mais tarde, em Jerry Lewis. Por mais bem orquestrada que seja a montanha russa de humor proposta aqui, ela não deixa de ter uma certa rigidez, uma sensação de excessivo controle sobre o que deve ser/parecer imediatamente espontâneo. É um trabalho profissional, mas não é "natural", como algo que um Hawks faria, ou mesmo diretores de precisão, como Lewis e Tati. Não sei explicar direito, mas a coreografia do riso é mais uma marcação de teatro do que movimento de cinema. Cary Grant, no entanto, é qualquer coisa de sublime.



Os Primos, de Claude Chabrol: Todo mundo faz uma relação deste filme com a suposta primeira parte de um díptico, Nas Garras do Vício, devido à repetição dos atores e personalidades dos personagens (o correto versus o autodestrutivo). Não sei não: se Nas Garras do Vício traz uma evidente influência do neo-realismo em um diretor dado ao controle mas ainda tateando por seu cinema, Os Primos já parece uma versão acabada do Chabrol cineasta como conhecemos. Ele é frio, elegante, afiado, numa história em que qualquer redução moral é descartada e o que importa é uma sensação de desequilíbrio, do perigo do acaso, e de seus acidentes como motores da vida. É um grande filme sobre a instabilidade da existência, e no final faltam chão e fôlego. É suspense puro o nome disso.

Fora isso, o filme que ainda não saiu da minha cabeça esse ano é novo, Um Homem Sério, dos irmãos Coen, que finalmente entrou em cartaz em Salvador. Ainda volto a ele, até porque o vi num momento de completa sincronia com a minha vida e muito do que tenho pensado e refletido nos momentos de solidão que só o exílio proporciona se sintoniza com coisas que vi nesse filme.

Sei lá, Um Homem Sério me fez me enxergar como adulto de verdade no que isso tem mais de doloroso: o acordar para o acaso da vida e sua finitude e a necessidade de se aceitar o absurdo para continuar vivendo, de preferência com alguém para amar. Vejam só, como reduzi essa maravilhosa a um slogan, mas vão assistir.