Dentre as pessoas que conheço, todas que viram se emocionaram com Tarde Demais Para Esquecer, melodrama dos anos 50 com Cary Grant e Deborah Kerr. Eles se conhecem em um navio, onde desfrutam de belo romance. Ao fim da viagem, marcam encontro no alto do Empire State Building, dentro de seis meses. Precisam do tempo para rearrumar suas vidas. Na data marcada, ela não aparece. Foi atropelada quando se dirigia ao prédio.
Tarde Demais Para Esquecer
Profissional e competente, Tarde Demais Para Esquecer tem horda feroz de fãs, liderados pela cineasta Nora Ephron. Em seu longa mais famoso, Sintonia de Amor, Nora dedicou alguns diálogos para homenagear o “clássico”, filme preferido da personagem de Meg Ryan. No Oscar seguinte, Deborah Kerr, seis vezes perdedora na categoria melhor atriz, recebeu prêmio especial.
Não estou incluído no grupo de adoradores deste melodrama. Há certa inadequação nos astros. Grant tem sempre a dose certa de charme engatilhada para a hora exata, mas só rende completamente em papéis cômicos, onde consegue chegar aos níveis de cinismo adequados a sua personalidade. Bom exemplo é sua participação em Cupido é Moleque Teimoso, do mesmo diretor Leo McCarey. Kerr é boa, e só. Ainda não havia chegado nos limites dramáticos de Pelo Amor de Meu Amor, adaptação de Fim de Caso, de Graham Greene. A lembrança da Sarah Miles de Kerr praticamente empalidece todos seus outros personagens.
Fora isso, o filme é correto. Taí o problema: para quem não tem afeição especial por esta fórmula eficiente, Tarde Demais Para Esquecer passa como desfile apático e nota dez da Imperatriz Leopoldinense. Melodrama, gênero problemático, só gosto quando sai da linha e toma direções inesperadas, seja na trama ou na condução. Claro, isso é uma idiossincrasia. Exemplo: gosto de faroestes de qualquer jeito, tradicionais ou revolucionários. Melodramas precisam de “um plus a mais”.
Na verdade, os melhores melodramas não sabem que são. Exemplo: Um Certo Capitão Lockhart ou Winchester 73, de Anthony Mann, tirando a cota de índios e tiroteios, não deixam de ser tragédias familiares. Aliás, o tratamento estóico de diretores de westerns sempre funciona nos melos. Ao invés da música alta, contenção para delinear os sentimentos. Vide: As Pontes de Madison, de Clint Eastwood, ou Brokeback Mountain, de Ang Lee, histórias de amor sem notas de excesso.
Celia Johnson e Trevor Howard em Desencanto: um grande amor acaba quando o trem chega; uma amiga aparece e atrapalha a despedida.
A receita, aliás, também é bem usada por diretores ingleses. O grande David Lean fez de Desencanto o clássico do adultério inglês, mudo e abafado numa estação de trem. James Ivory, no seu melhor momento, fez Vestígios do Dia, sobre o amor de um mordomo pela governanta de uma casa nobre, relacionamento perdido numa névoa de obrigações sociais e senso de dever. O livro no qual é baseado, de Kazuo Ishiguro, também é magnífico. Nos Estados Unidos, coisa muito parecida no duo Edith Wharton e Martin Scorsese em A Época da Inocência.
Dorothy Malone e Rock Hudson, atores da exemplar frieza de Douglas Sirk
Ainda mais interessante, embora não exatamente melhor, é o cinema de Douglas Sirk e R.W. Fassbinder. Usam todos os artifícios chavões do gênero, como música alta e apelo ao fake em direção de arte e figurinos excessivos, mas seus filmes parecem obter justamente o efeito contrário: o mínimo de emoção. Coisas como Palavras ao Vento ou O Desespero de Veronika Voss se vestem de inofensiva pele de cordeiro para analisar com bastante crueldade seus objetos de interesse: para Sirk, família; para Fassbinder, as relações pessoais na Alemanha diante do fundo político pré pós e durante o nazismo.
Em direção diversa da contenção ou do excesso estéril, o melodrama que quer realmente emocionar, mas a dosagem dos elementos do gênero é tão desproporcionalmente grande que os filmes parecem dizer muito mais do que o que está na tela. Exemplos deste tipo de viagem pessoal: Moulin Rouge e Romeu + Julieta, de Baz Luhrmann, brilhantes histórias de amor, mas também filmes eloqüentes sobre entretenimento e arte.
Tony Leung e Maggie Cheung em Amor à Flor da Pele
Reunindo um pouco destas três tendências, Wong Kar-Wai, autor de apaixonados e contidos romances, filmados com linguagem artificial e fake, que por vezes parece falar muito mais sobre nostalgia e memória do que sobre relações amorosas. Em território parecido, o deslumbrante formal de Max Ophuls, cineasta extremamente apaixonado pelos alucinantes movimentos de câmera, mas com sensibilidade apurada o suficiente para não tornar seus filmes estéreis exercícios de estilo. Ophuls fez com Carta de Uma Desconhecida o maior melodrama que já vi.
Joan Fontaine e Louis Jordan na obra-prima Carta de Uma Desconhecida
Todos estes caminhos são alternativas ao profissionalismo mediano de Tarde Demais Para Esquecer. Claro, que não se considere este texto uma dispensa do filme de McCarey somente baseado em comparações com outras coisas. É tudo questão de preferência. Maçãs, laranjas. Há quem enxergue o sublime na boa execução de Tarde Demais Para Esquecer. Eu fico aborrecido.
4 comentários:
Clica. Toma. Lê. No meu nome. Abraço.
Estarrecido fiquei com seu aborrecimento diante de uma obra-prima como 'Tarde demais para esquecer', melodrama de rara 'finesse', de execução priomorosa e com chave irônica, diálogos que impressionam pela ambiguidade e trocadilhos. Os diálogos da seqüência final, quando Grant reencontra Kerr no apartamento desta, pode figurar entre os mais expressivos de toda a história do cinema. E, além do mais, o filme é de uma beleza sublime.
ANDRÉ SETARO.REDIVIDO
Estarrecido fiquei com seu aborrecimento diante de uma obra-prima como 'Tarde demais para esquecer', melodrama de rara 'finesse', de execução priomorosa e com chave irônica, diálogos que impressionam pela ambiguidade e trocadilhos. Os diálogos da seqüência final, quando Grant reencontra Kerr no apartamento desta, pode figurar entre os mais expressivos de toda a história do cinema. E, além do mais, o filme é de uma beleza sublime.
ANDRÉ SETARO.REDIVIDO
Vou usar palavras suas sobre um texto meu: "Está ótimo, muito bem escrito e argumentado, mas não concordo com nada". Foi seu presente de aniversário de morte a Paulo Francis, que tinha em 'An Affair to Remember' um de seus filmes preferidos. Animou a tumba dele bem antes da seda rasgada da efeméride.
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