terça-feira, agosto 14, 2007

Descontrole Emocional

Há algo suspeito em um filme que tenta arrancar lágrimas do público com menos de cinco minutos de projeção. Antes dos créditos de “Depois do casamento” (Efter brylluppet, 2006, Dinamarca e Suécia), a diretora Susanne Bier já põe o personagem principal num dilema. Ativista na Índia, deve voltar para a Dinamarca para negociar patrocínio para um projeto social que comanda. Com câmera na mão, vem aquela imagem de garotos indianos adoráveis em ruas sujas, o protagonista já com saudades de seu exílio voluntário, fumando com olhar perdido. Sobe som, com world music.

A primeira impressão só é equivocada em relação aos fins. “Depois do casamento” não sofre da síndrome de espanto globalizado que aflige Alejandro Gonzalez Iñarritu, mas o tom da narrativa é igualmente pouco sutil. Assim que a ação é movida para a Dinamarca, o filme entra na trilha do mais banal dos melodramas familiares, com alguma gritaria e “segredos do passado”. Nem o visual com resquícios do Dogma 95 consegue disfarçar.

O centro da intriga é Jacob (Mads Mikklesen). Com andamento de novela das oito, ele rapidamente descobre que, por uma coincidência dos demônios, a mulher que amou no passado está casada com o empresário que vai financiar o tal projeto na Índia. No casamento da filha do casal, uma revelação no discurso: Jorgen, o grosseiro self-made man, não é o pai da noiva, mas há mais de 20 anos acolheu Helene, grávida desamparada de um homem supostamente morto. Basta uma troca de olhares, e pronto, Jacob descobre que tem uma filha.

No desenvolvimento do roteiro, Susanne Bier provavelmente tinha consciência do tom rocambolesco dessa trama, resolvida antes da primeira hora. A justificação do absurdo vem em forma de uma segunda reviravolta, com mais gritos, acertos de contas e lágrimas histéricas. Quanto mais a diretora-roteirista cava, mais se enterra. Isso chega ao ponto de que, para fragilizar um dos personagens e conseguir um pouco mais de tensão do público, Susanne aplica um golpe baixo e inesperado em uma das criações mais certinhas do roteiro — não cabe dizer aqui do se trata, mas envolve um chororô de madrugada num quarto de hotel.

Contra essa dramaturgia claudicante, “Depois do casamento” só tem a favor os atores, completamente aplicados em seqüestrar o filme da diretora e torná-lo um pouco mais digno. Os nomes são difíceis, mas os rostos ficam na cabeça: Sidse Babett Knudsen é Helene, dura, autoritária e determinada a não pôr a perder o amor conquistado; Stine Fischer Christensen é Anna, a filha delicada, incapaz de administrar as provações que a vida (e o roteiro) lhe infligem; Rolf Lassgard é Jorgen, o pai expansivo, controlador e bonachão.

Ainda assim, o ponto mais forte do elenco é mesmo o Mads Mikkelsen, o protagonista. Ao contrário dos colegas de filme, opta por um trabalho discreto e contemplativo, e consegue miraculosamente driblar a trilha sonora para momentos de comoção genuína. Ajuda também a sua cara estranha, meio cubista, angulosa. Mikkelsen já usou esse tipo para ganhar dinheiro no papel de vilão do último James Bond; nesse “Depois do casamento”, a face de quebra-cabeça garante um enigma constante no ar, e faz o personagem ficar mais interessante do que devia ser no roteiro.

De qualquer jeito, não tem elenco que segure um filme tão determinado a extrapolar. Enquanto os atores ou a imagem crua insinuam complexidade de sentimentos, o núcleo é inegavelmente oco. Em “Brothers”, estréia de Susanne Bier em longas, há o mesmo problema: a busca de honestidade nas relações humanas versus roteiro pobre e direção sem controle. Nessa segunda empreitada, não há muita evolução: Susanne continua vendendo emoções a preço de banana. “Depois do casamento” foi indicado ao Oscar de Filme estrangeiro e garantiu à diretora um ticket pra Hollywood, onde dirige Things we lost in fire, drama sobre uma viúva tentando fazer a vida ao lado de um amigo. Boa sorte.

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