Estruturalmente, o filme é completamente mal-arquitetado, dividido em duas partes das quais apenas uma funciona: o flashback é um vulcão de paixões e desejo, crueldade e violência; a trama contemporânea é morna, patina numa terrível falta de assunto, e, para tentar manter-se de pé, afunda-se ainda mais em revelações de novela mexicana em mesa de bar e no café da manhã. Quando um personagem fica sabendo quem é o verdadeiro pai, por exemplo, nem o ator que o interpreta parece acreditar na tolice da cena.
Isso sem contar com a auto-indulgência de Almodóvar em relação a um monte de gordura do filme, como um longo diálogo sobre um filme de vampiros que não vai a lugar nenhum, ou a reaproximação do protagonista de seu antigo assistente de direção. Mas, enfim, tirando a decisão final da remontagem e a cena em que o cineasta tenta sentir o amor do passado numa imagem projetada, todo o segmento contemporâneo poderia ir para a lata do lixo.
Apesar de uma série de falhas evidentes, no entanto, Abraços Partidos torna-se algo instigante quando o observamos dentro da carreira de Almodóvar e o que ele representa em termos de indício do que está por vir nesta filmografia. Ao contrário do que fez no maravilhoso Volver, onde, diga-se a verdade, o cineasta tocava notas que já dominava completamente, o diretor tenta desta administrar um material fora de sua zona de conforto, reduzindo o humor ao máximo e buscando embrenhar-se no melodrama sem o seu contrabalanço habitual de exuberância e emoção.
Assim como Má Educação, Abraços Partidos é um melô sem lágrimas, premeditamente seco. Cabe um parêntese aqui para tentar mapear essa guinada sombria do diretor. Uma vez perguntaram-lhe quem eram os três maiores diretores da história e ele respondeu: Billy Wilder, Billy Wilder e Billy Wilder. Se no início da carreira, parecia interessar-se mais pelo escracho de Quanto Mais Quente Melhor, The Fortune Cookie ou Beija-me Idiota, Almodóvar parece inclinar-se agora a outra fase de seu mestre, responsável por coisas como Crepúsculo dos Deuses, Pacto de Sangue e A Montanha dos Sete Abutres.
Pode-se argumentar que este novo Almodóvar é menos Almodóvar que o de Volver, ou Kika, mas estes filmes secos do diretor são tão puro sangue quanto as comédias escrachadas e o os melodramas lacrimejantes: a diferença que a maldade, para o cineasta, está quase que confinada a uma dimensão cinematográfica ("As pessoas só caem das escadas no cinema") e por isso seus exemplares puramente noir - Abraços Partidos e Má Educação - são filtrados pela figura de um protagonista diretor de cinema e filmes dentro de filmes. A vilania e a crueldade se transformam em metalinguagem.
Por outro lado, apesar de andar por territórios que ainda não explorou com tanto afinco, Abraços Partidos é marcante por não deixar de conter todos os temas essenciais do Almodóvar recente, mesmo que em tom diferente. Assim como Tudo Sobre Minha Mãe, Má Educação e Fale Com Ela, é um filme dedicado ao poder da arte sobre as pessoas, e sobre como elas agem influenciadas pelas marcas deixas por filmes, peças, a música e dança, seja como espectadores ou como criadores. Enfim, a função da arte como reflexo e refúgio.
Além das pessoas e da arte, o terceiro item dessa equação: o tempo. Até como resultado de seu próprio da consciência de seu envelhecimento, Almodóvar tem feito cada vez mais filmes em várias dimensões temporais, quebra-cabeças narrativos em múltiplos tempos que se coadunam para judar a definir os personagens, como nos romances de Ian McEwan, escritor que admira. Almodóvar fica velho e faz filmes cada vez mais sobre o passado: a violência enfrentada por Raimunda, a peça e o amor de Manuela na juventude, o romance de Enrique e Angel, o filme destruído de Mateo Blanco...
Abraços Partidos é definitivamente o pior desses roteiros, mas ilustra bem a tendência da obra futura de Almodóvar. Mesmo com pontos fora da curva em tom e qualidade, como esse novo filme, o diretor continuará preso dentro de seu cinema particular, e o tema dos filmes deste cinema particular, no fundo, é a memória. Almodóvar está se transformando em Resnais.
5 comentários:
Uau, Seymon, que belo texto! Acho sua análise precisa, e instigante. Fico até com vergonha de minhas humildes palavras escritas sobre o filme no meu blog... rs. Brincadeira.
Então, assisti ABRAÇOS PARTIDOS duas vezes. Na primeira, me incomodei mais com a fraqueza do roteiro nessas cenas no presente - especialmente com a citada conversa na mesa de bar. Na segunda, a beleza das cenas do flashback (e dos momentos finais do filme), falaram mais forte, e minha avaliação foi mais positiva.
Acho um grande filme, de qualquer forma, e, apesar de num primeiro momento concordar que é o mais fraco do Almodóvar pós-CARNE TRÊMULA, acho que para eu poder afirmar isso preciso rever MÁ EDUCAÇÃO e VOLVER.
Abraços Partidos não passa de um dramalhão constrangedor, sem inspiração e preguiçoso. Espero que Almodovar continue tentanto fazer um bom filme, pois o seu ultimo trabalho relevante foi Woody Allen quem fez.
Olá, Meu nome é Thays Py e trabalho na Agência de Comunicação Núcleo da Idéia.
Gostaria de ter o seu e-mail para que possamos fazer contato para parceria.
Desde já agradeço.
Thays Py
mkt7@nucleodaideia.com.br
Muito bom, Seymon, parabéns.
Mas sério, não gostei muito do filme. Assisti a 1 km de distância, me chamaram, fui, mas apesar de não tirar os olhos da tela não me esforcei para ver. Vi com preguiça. A impressão que me ficou é mais um filme em que Almodóvar faz para falar que ama o cinema, que gosta de vermelho... Não tenho muito saco, nem interesse. Apesar de que, outros como Fale com Ela, me pareceram bem distantes desse.
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