Acho que o primeiro Fellini que vi foi Amarcord, num VHS locado na VideoHobby da Graça, há praticamente dez anos. Óbvio, na época o filme só me causou estranhamento, e eu precisei de pelo menos mais cinco anos para descobri-lo por inteiro, como se deve, numa sala de cinema - no caso, a Walter da Silveira.
Poucas vezes chorei tanto num filme. Chorava em cenas aleatórias, por qualquer coisa, até em sequências que deveriam ser cômicas, como a do garoto que se aproxima da boazuda Gradiska numa sala de cinema.
O motivo é fácil de decifrar - Amarcord, eu me lembro, é o filme mais nostálgico já feito, bêbado de memórias falsas e verdadeiras, e, por consequência, é um épico sobre o tempo. As pessoas, as situações e as coisas passam e não há volta. Não há nada mais triste do que isso, afinal, mesmo quando as lembranças são as mais alegres.
Em Amarcord a gente chora e ri, ao mesmo tempo e sem parar. É o filme mais catártico de Fellini, porque a memória é sua única preocupação. Ele foi mais ambicioso e intelectual - e melhor, mesmo - em A Doce Vida e 8 1/2, e talvez mais focado e preciso em coisas como A Estrada da Vida e Noites de Cabíria, mas meu coração fica mesmo com o caos e a desorganização deslumbrantes de Amarcord.
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Hoje também é aniversário de David Lynch, que acaba de ter seu Mulholland Drive celebrado por meio mundo (Cahiers, inclusive) como o melhor filme da década. É um filme potente, mas essa fase de entrega total ao absurdo, continuada com Império dos Sonhos, sinceramente não me diz muita coisa.
Lynch já era radical sem precisar mergulhar na abstração absoluta, acho, e mesmo seus saltos sem rede pareciam mais interessantes nas décadas de 80 e 90. Não há nada em seus filmes recentes que não me pareça mais bem desenvolvido e perturbador em A Estrada Perdida, praticamente sua obra-prima, não fossem História Real e Coração Selvagem.
Fãs radicais do autor em geral ficam com as obras mais novas ou Veludo Azul, mas tenho a tendência a admirar o modo como sentimentos estranhamente bons acabam se misturando no mundo de horror de Lynch.
Em História Real, nada me desconcerta como o olhar dos dois homens velhos que reconhecem, um no rosto do outro, a participação na Segunda Guerra. A mesma generosidade explode ainda mais em Coração Selvagem, em que um grande amor vence todas as batalhas contra o horror, a violência e o absurdo. E com "Love Me Tender" no final.
4 comentários:
Salve a memória
(às vezes maculada)
de Fellini:
E La Nave Va e Amarcord e Cabíria...
Eu também amo CORAÇÃO SELVAGEM. Acho um dos melhores do Lynch. Mas confesso que babo no CIDADE DOS SONHOS...
Adoro a intensidade de Coração selvagem!!
muito bom seu espaço, abraço cinéfilo!
te sigo!
Te linkei ao meu espaço, colega de profissão e conterrâneo! abs
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