domingo, março 07, 2010

Oscar 2010 #2

O filme mais complicado, instigante e inteligente do Oscar deste ano vem da sempre impecável linhagem dos irmãos Coen, que andam em fase inspiradíssima e especialmente cruel após Onde os Fracos Não Têm Vez. É essa também a fase em que eles menos recorrem à muleta da revisão dos gêneros clássicos do cinema americano, como fizeram durante toda a carreira, de Gosto de Sangue a O Amor Custa Caro. Agora, sem o filtro referencial, radicalizam uma visão de mundo pessimista e desconcertante: Um Homem Sério, o mais recente e indicado a Melhor Filme e Roteiro Original, talvez seja o filme em que o olhar deles sobre a vida é mais claro e límpido - não há muito sentido nas coisas, e pronto.

Se em Onde os Fracos... e Queime Antes de Ler sobressaiam-se entrelinhas políticas e uma sufocante malaise americana, Um Homem Sério é mais pessoal, menor, a partir do fator biográfico que o acompanha. É uma história muito judaica sobre personagens meio intelectuais vivendo a virada dos anos 60, período em que os Coen viviam a adolescência, e o garoto do filme faz a providencial descoberta da maconha enquanto o mundo de seus pais desmorona numa sequência de fatos absurdos.

Se a comédia de erros sempre esteve presente no cinema dos irmãos a partir de histórias de crimes fracassados, Um Homem Sério sugere que a vilã, desta vez, é a própria vida. Dentro do inferno sofrido pelo professor universitário que protagoniza o filme, não há nada que não seja real. Nada passa por fantástico ou extra-terreno, como assassinos psicopatas e mulheres perigosas. Os mecanismos dessa tortura podem ser o resultado de um exame médico, a rejeição da esposa, a expectativa de uma promoção no trabalho...



Apesar de aparentemente comezinho, esse conjunto de tensões acumuladas do cotidiano de um pai de família ganham as mesmas dimensões de horror já vistas em filmes como Ajuste Final, ou Fargo. O final, sagração do niilismo, coroa genialmente o tom de descrença em tudo e impotência geral diante da aleatoriedade da vida. Exasperante.

Aliás, nem precisava dizer, mas os Coen continuam fazendo o melhor cinema narrativo do mundo, de controle absoluto de cada imagem, cada plano, cada inflexão de voz de cada coadjuvante, como se tudo já estivesse concebido em sua perfeição desde o roteiro. E esse aqui é absolutamente o filme mais bem montado que o cinema vê em muito tempo.

>>> O segundo dos três filmes incríveis deste Oscar (o terceiro é Bastardos Inglórios, de que já falamos) é Guerra Ao Terror, de Kathryn Bigelow. O maior êxito desse aqui é ser composto como uma série de esquetes, que postas em sequência, desmentem o filme visto e o aponta rumo a um sentido oposto: de vibrante filme de ação para reflexão sobre a natureza viciante desta ação.

O jeito como Bigelow dispõe a história do desarmador de bombas que não consegue viver sem o desafio do perigo (Guerra ao Terror tem uma cena eletrizante depois da outra) me lembra um filme bem distante geográfica e tematicamente, mas com os mesmos artifícios.

Não estamos muito longe do repórter de celebridades de A Doce Vida, de Fellini, sempre atrás de uma história absurda, cada uma sem ligação com a anterior, mas juntas, capazes de formar um panorama de uma pessoa obcecada por aquilo tudo mas crítica o suficiente para detestá-la, mesmo sem conseguir sair desse trilho. A comparação não é tão absurda: para Bigelow, a geuura não deixa de ser um espetáculo do qual seu protagonista insiste em fazer parte.

>>> Um Sonho Possível é uma incógnita: é até uma Sessão da Tarde ok, mas sua indicação ao Oscar é mais absurda que a de Chocolate, de Lasse Hallström. Sandra Bullock tem carisma, mas vai levar o Oscar por questões estritamente industriais. Apenas mais um feel good movie beneficiado por uma bilheteria. Mais quadrado impossível. Ainda assim, acho melhor que Coração Louco, que vai tirar Jeff Bridges do jejum (ele está bem, nada demais). O filme não tem nem o domínio de tempo de Um Sonho Possível. Estruturas rangem, e é difícil lutar contra o sono. A música é bacana, e só.

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