sábado, maio 08, 2010

Cinema volátil

Mais de um mês sem atualizar, quem curte? Tenho estado mais presente no twitter, mas a correria de volta do Brasil pra Angola, trabalho atrasado, etc, etc, me impediram de escrever aqui, não apenas por falta de tempo para reflexão, mas também por falta de material para refletir sobre. Praticamente não vi filmes no último mês, o último livro que li foi um guia de edição jornalística de um desses consultores de Navarra (Jornalismo, Botocudos. Botocudos, Jornalismo), medíocre. Pelo menos estou acompanhando a novela - já que não acontece nada, sempre estou em dia com ela.

Bom, o último filme que vi foi pelo menos valeu por um mês inteiro: Sem Amanhã, 39, é outro daqueles melodramas absolutamente sublimes do alemão Max Ophuls. O cenário é o mesmo: cabarets, as ruas de Paris, mundo cheio de atores e prostitutas, sempre à noite. Aqui, uma mulher tenta esconder do grande amor do passado que se tornou uma cortesã.

Sempre um mestre do efêmero, Ophuls faz seu filme mais volátil, evanescente, como se as imagens e as pessoas fossem feitas de nuvem. No fundo, é a perfeita tradução visual do sentimento que atravessa todos os seus filmes, a impossibilidade de se eternizar os amores, as relações entre as pessoas, coisas tão frágeis, vulneráveis.



Edwige Feuillère em Sem Amanhã

Não à toa, as imagens finais são de uma mulher a perder-se para sempre na bruma, do mesmo jeito que a protagonista de La Signora di Tutti tinha o rosto borrado pela câmara no último plano, um close, e que a última aparição de Joan Fontaine em Carta de Uma Desconhecida é como um fantasma-recordação para Louis Jordan. É um cinema em que mulheres usam véu, sobre amores se dissolvendo no ar e gente lutando contra isso mesmo que à custa da própria vida.

Esse poder de evocação de um clima alcançado por Ophuls, um homem que filma todas as imagens certas, provavelmente só encontra par em Mizoguchi, outro mestre desses épicos em corpo de mulher. Impressionante como o martírio feminino diante do tempo perpassa a obra dos dois diretores, e, diria, da mesma forma: quem vê um filme como esse Sem Amanhã tem de lutar para não lembrar de Oharu - A Vida de uma Cortesã, O Intendente Sansho, e mesmo Contos da Lua Vaga.

É tudo muito parecido, desde o gosto pelo movimento de câmera (Ophuls acrobático, Mizoguchi fluido e sóbrio) e por essa fotografia enevoada, até o núcleo duro de pensamento narrativo e temático, filmes clássicos de mulher dois tons acima da sobriedade, como se os personagens estivessem todos turbinados por duas doses de whisky, mais emocionais, mas com toda essa intensidade represada em corpos em combustão, na necessidade manter as aparências. Morrer do coração nesse ritmo é fácil, entende-se.

Os diretores parecem dopados também: dificilmente alguém em "modo normal" alongaria o close de um adeus na estação de trem do jeito que Ophuls faz nesse Sem Amanhã. Incrível, e quem viu Longe do Paraíso, de Todd Haynes, vê exatamente onde esse plano foi parar.

PS: inacreditável as mocinhas de peito de fora no início do filme. Era 1939!

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