terça-feira, julho 26, 2016

Phoenix




Tá sendo bem difícil tirar esse filme Phoenix, de Christian Petzold, da cabeça. Speak Low, que pra mim era só mais um standard, tornou--se moldura de uma das cenas mais acachapantes da história ao mesmo tempo em que foi arruinada para todo o sempre, porque será impossível dissociá-la do rosto de Nina Hoss. Perdi a conta de quantas vezes escutei a canção por esses dias.

Nas últimas duas semanas tenho lido um monte de textos sobre o filme, e 90 por cento deles dizem que se trata de uma atualização de Vertigo, e eu também pensei nisso imediatamente, mas hoje o filme já me bate como um filme-irmão de A Pele Que Habito, de Almodóvar, só que devidamente adequado a esse rigoroso e duro corte alemão, no qual tudo é seco, despido, mínimo.

Nos dois filmes temos pessoas vivendo com o outro rosto que não o seu de nascença, com sérios problemas de identidade. Em Phoenix, em especial, me chama a atenção o processo de negação da identidade, em direções opostas.

Nelly quer ser a que era antes da guerra, quer acreditar no amor do seu marido ariano, quer arranjar desculpas para a sua delação, enquanto o marido se recusa a ver a nova mulher na sua frente como a antiga - tem de ser outra pessoa - mas (inconscientemente?) a atira rumo à identidade anterior. Para quem é aquela farsa?

Os personagens demoram horrores para se libertar das suas negações, como se a ficção encenada por eles mesmos fosse a única saída para continuar a viver até que as feridas se fechem. (Yann Martel escreveu um livro brilhante sobre isso, A Vida de Pi). É ainda mais impressionante como, num detalhe especialmente cruel, à personagem que insiste encarar a verdade sem desviar o olhar, só resta o suicídio.

Em Tudo Sobre Minha Mãe, Agrado dizia que as pessoas são mais autênticas quanto mais se parecem com aquilo que sempre quiseram ser. E quando isso é impossível? E quando esse caminho rumo à identidade é roubado, violentado, abreviado? É daí que vem a força de A Pele que Habito e de Phoenix em suas cenas finais: aprender a ser outra pessoa diferente do que se é - no seu cerne - e tomar outro caminho pode ser o maior dos traumas.

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