terça-feira, dezembro 31, 2024

TOP 10 2024

Menções honrosas, sem ordem:

Greice, de Leonardo Mouramateus
Jurado N. 2, de Clint Eastwood
Meu Amigo Robô, de Pablo Berger
Sem Coração, de Nara Normande e Tião
Vidas Passadas, de Celine Song

Um ator: Sebastian Stan, O Aprendiz
Uma atriz: Yara de Novaes, Malu

10 - O Aprendiz, de Ali Abbasi - A história de origem de Trump composta tijolo por tijolo, da ignorância de um jovem ambicioso à obstinação de alguém que não percebe mais o quanto mente. É um perfil de personagem rigoroso, mas o que chama mais atenção é todo um retrato da Nova York yuppie em que habitavam ao mesmo tempo a Gloria de Gena Rowlands e o Gordon Gekko de Michael Douglas, e tudo o que pode existir entre os dois. Impecável panorama de uma cidade e de um país numa época sem limites, filmado com um senso de sujeira e vulgaridade que raros cineastas americanos conseguiriam imprimir. Sessão dupla: O Traidor, de Marco Bellocchio. (Claro, ou Amazon e Apple para aluguel)

9 - Queer, de Luca Guadagnino - Um filme estilhaçado, com um senso de continuidade totalmente fragmentado, típico da embriaguez. Tudo começa como um resquício de estranheza, com a montagem reproduzindo os lapsos de entendimento do protagonista sempre bêbado e drogado, até que isso ganha o primeiro plano, num terceiro ato que escancara o quanto essa fuga da vida careta é mais poderosa que qualquer outra válvula de escape, inclusive o sexo. É nessa hora final que o filme cresce, especialmente com a coragem de Guadagnino de filmar sem pudores a viagem das drogas (a cena do ano é a trip na floresta, sem dúvida). Sessão dupla: O Grande Lebowski, de Joel Coen. (ainda nos cinemas)

8 - Malu, Brasil, de Pedro Freire - Grande trio de atrizes numa peça de câmara teatral, caótica e bem carioca que vai ficando cada vez mais sombria, minuto a minuto - é um filme bem engraçado, até que não é mesmo. Enfim, um filme que Domingos talvez gostasse de ter feito. Sessão dupla: Interiores, de Woody Allen. (ainda nos cinemas)

7 - A Substância, EUA, de Coralie Fargeat - Parece uma crônica sobre Hollywood como máquina de moer gente, sim, mas é também (ou sobretudo) um filme completamente apaixonado pelos mecanismos de cinema em si - luz, cores, cortes. Superficial, mas de grande impacto visual e técnico, ou melhor, plástico. Fargeat estava bêbada de Lynch, Hitchcock, Kubrick. Sessão dupla: O Demônio de Neon, de Nicolas Winding Refn. (Mubi)

6 - O Quarto ao Lado, EUA, de Pedro Almodóvar - O primeiro longa em inglês de Almodóvar segue a tendência de sua obra recente de tirar a limpo a vida (e tudo o que nela cabe - a família, o cinema, a política) diante da mortalidade. O Quarto ao Lado é a mais depurada dessas meditações, recessivo até o ponto da paralisia, mas o amor pela arte (Hopper, Joyce, Ophuls, Huston) é um contraponto à frieza da fase atual do diretor. Sessão dupla: Visita ou Memória e Confissões, de Manoel de Oliveira. (ainda nos cinemas)

5 - O Sequestro do Papa, de Marco Bellocchio. É acadêmico, talvez até quadrado, mas não deixa também de ser um deslumbrante filme histórico, com todas as cenas uns dois tons acima do melodrama, quase uma ópera sem música. Bellocchio mapeia mais uma vez os podres da Igreja Católica para pensar como se forma uma identidade, e como a privação de uma história pessoal transforma o ser humano numa figura patética e desorientada - uma questão central no judaísmo, aliás. O filme é todo especial, mas o epílogo, minha nossa senhora. Sessão dupla: Sinônimos, de Nadav Lapíd. (Amazon Prime e Apple, aluguel)

4 - Megalopolis, EUA, de Francis Ford Coppola - Para quem pode usar o cinema como meio de especulação, os limites da vida humana não são um limite, e Coppola vai até ao passado e até o futuro imaginando toda a história da humanidade - de onde ela veio e para onde ela vai. É um filme realmente comovente na sua indisciplina megalomaníaca, pois a sua sede de imaginar é maior do que qualquer ideia de correção narrativa. Sessão dupla: Terra em Transe, de Glauber Rocha. 

3 - O Sabor da Vida, França, de Tran Ahn Hung - A princípio parece um produto perfeitamente embalado para o gosto médio de um público de arte (mais uma obra sobre os encantos da culinária francesa), mas há uma camada extra no filme todo sobre a arte como um ato devocional. Saber usar o próprio talento para afetar os sentidos de outrem é praticamente um sacerdócio. Sessão dupla: O Barba Ruiva, de Akira Kurosawa. (Amazon Prime)

2 - Os Colonos, Chile, de Felipe Gálvez - A brutalidade de uma terra sem as garantias do Estado de Direito e da ideia de Direitos Humanos. Gálvez transpôs precisamente a essência do faroeste para a "conquista" da América Latina e a consequente limpeza étnica indígena no Chile e na Argentina. A barbárie é tão mais dolorosa quanto maior a certeza da impunidade. Sessão dupla: O Atalho, de Kelly Reichart. (MUBI)

1 - Segredos de um Escândalo, EUA, de Todd Haynes - Um dos filmes mais violentos que já na vida, uma vez que os atos de dano do seu predador tornam a vitima cúmplice do próprio cativeiro, e por décadas, até um momento de clareza. Assim como no filme de Bellocchio, temos uma vida toda roubada e violentada, deixando a vítima congelada no tempo, uma criança de 40 anos. Obra de rara perversidade. Sessão Dupla: A Lei do Mais Forte, de R.W. Fassbinder. (Amazon Prime).

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