Estava no meio de uma sessão tripla sobre Leste Europeu e Segunda Guerra. Já havia visto Trens Estreitamente Vigiados, de Jiri Menzel, e A Ascenção, de Larissa Shepitko. O primeiro é tcheco, de 60 e poucos, vencedor do Oscar de filme estrangeiro. O segundo venceu Berlim em 76 ou 77, russo. Talvez entre em detalhes sobre eles depois. O que vale dizer é que são emocionalmente muito exigentes, e não quis passar direto para o terceiro da lista, Vá e Veja, do também russo Elem Klimov, marido da Sheptiko.
Pois bem, resolvi fazer um intermezzo com Lola, de Jacques Demy... O diretor é conhecido principalmente por Os Guarda-Chuvas do Amor, um musical todo cantado com Catherine Deneuve, vencedor da Palma de Ouro em Cannes no mesmo ano em que Deus e o Diabo Na Terra do Sol estava em competição. Bom, Fritz Lang, presidente do júri, sabia muito bem o que estava fazendo.
Os Guarda-Chuvas, por vezes tido somente como uma obra lírica e excessiva, tem aquele veneno que transforma todo o cor de rosa de cenários, direção de arte e da música de Michel Legrand em fel puro. Catherine Deneuve tem um namorado, que é convocado para lutar na guerra. Na noite de despedida, eles transam, ela fica grávida e ele parte sem saber. Desaparece, pode ter morrido. Ela casa com outro. Ele volta. Final feliz?
A guerra... Fujo da guerra do leste europeu e vou logo em direção a Demy! Ela também estava lá em Duas Garotas Românticas, como pano de fundo. Já disseram que Minnelli usava o excesso técnico de seus filmes para reconstruir o mundo doente, refazê-lo ao seu prazer. Essa qualidade cabe a Demy. A doçura cheia de cicuta também está em Lola.
Nas historinhas desta falsa comédia romântica, Lola é a personagem do título, mas não a principal. Quem protagoniza o filme é seu amigo de infância Roland. Lola ficou grávida de um homem que a deixou para fazer fortuna, e nunca mais voltou. Roland poderia estar lá no momento, revelar seu amor e ajudar a mulher desamparada. Foram separados pela guerra. Uma personagem com quem Roland se envolve ficou viúva. Outro personagem importante é um marinheiro americano, amante de Lola.
A guerra é pano de fundo, mas está lá, inscrita no cotidiano dessas pessoas – talvez não de modo tão perverso quanto em Os Guarda-Chuvas do Amor, mas com poder suficiente para imprimir nessa pessoas o toque de melancolia que Demy precisa para transcender excesso do tratamento que dá a seus filmes.
Assim, Lola faz parte de uma lista muito especial de filmes que mostra com diferentes graus de atenção os efeitos retardados dos conflitos bélicos na vida. Os Melhores Anos das Nossas Vidas, O Franco-Atirador, Conspiração do Silêncio, O Casamento de Maria Braun, Os Girassóis da Rússia... Ou mesmo a cena mais bela de pós-guerra que me lembro agora, os dois velhinhos que reconhecem os traços no campo de batalha nos rostos um do outro, no recente História Real, de David Lynch.
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Durante o fim de semana, outra sessão tripla: Descalços no Parque, Adivinhe Quem Para Roubar e California Suite, Jane Fonda em três papéis cômicos. Ela atua sempre do mesmo jeito, mas, incrível, os personagens não se repetem. Isso não é tipo, ou limitação – é estilo. Firme, forte, com autoridade. Aliás, falava de pós-guerra. Jane Fonda venceu seu segundo Oscar por Amargo Regresso. No filme, ela interpreta uma mulher que recebe o marido do Vietnã paralítico. Não vi ainda.
Um comentário:
Alguns personagens de Jacques Demy atravessam vários de seus filmes como é o caso de Roland Cassel, interpretado por Marc Michel, que, em 'Les paralepluies de Cherbourg' canta num momento a se recordar, nostálgico, de Lola. Não sabia que já existia 'Lola, a flor proibida' em DVD. Ou você, o maior 'baixador da internet' soteropolitano, foi buscá-la no espaço virtual?
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