segunda-feira, maio 21, 2007

O Turbilhão da Vida

Provavelmente já disse isso aqui, mas Jeanne Moreau é das atrizes mais impressionantes da história. Obviedade, sei, mas não como resistir à força daquela boca amarga quando se descobre, filme a filme, sua grande fase. Acho que foi Milton Nascimento - ele viu Jules e Jim quatro vezes seguidas e conseguiu inspiração para compor durante um mês, ou viu o filme uma vez só e compõs por quatro dias, sem parar, não importa. O filme de Truffaut é definitivo.

Vi Jules e Jim pela primeira vez num VHS Alpha Filmes, que mutilava os enquadramentos em Cinemascope. No dia, lembro que aconteceu um problema barra pesada em casa, mas minha cabeça não saía das imagens de Truffaut, do clima, da força. Revi o filme no cinema, e durante boa parte da projeção, tinha uma mancha de óleo na fita. Chorar vendo um filme é fácil. É ato reflexo de drama, como uma risada em piada de banheiro numa comédia ruim. Às vezes, no entanto, uma lágrima sincera que não vem define as conseqüências de um filme na nossa mente, da mesma maneira que a mancha de óleo na película. O filme vira parte de você, até o túmulo.

Jules e Jim, mesmo com todo o brilhantismo de Truffaut em dia endemoniado, não seria o mesmo sem Moreau. A extrema sensibilidade de sua personagem, Catherine, joga Moreau em abismos de doçura, amor, sensualidade, e por fim, amargor e loucura. Não há personagem feminino tão complexo. Na minha opinião, está é A atuação da história do cinema.

Mesmo com tanto área coberta por Catherine, ainda não vi Moreau passar em branco, oferecer pouco a um personagem. Ela está sempre na tela de corpo e alma. Sua beleza difícil lhe rendeu papéis difíceis, não exatamente simpáticos. Vi Moreau impressionante em Ascensor Para o Cadafalso e Os Amantes, de Louis Malle. No primeiro, arma um plot para matar o marido; no segundo, decide fugir da vida em direção ao nada com um desconhecido.



A maldade na alma que seus traços sugerem a levaram a As Relações Amorosas, de Roger Vadim. Filme é adapatação das Ligações Perigosas de Chordelos de Laclos, nos anos 60. Não presta. Moreau, no entanto, sai incólume na pele da Mme. de Merteiull. Glenn Close viveu depois o papel interpretanto com os seios - alguém já disse isso, não lembro quem - e maravilhosamente. Moreau joga a dimensão toda do personagem no sorriso.

Hoje (ontem, 20/05), vi Moreau em mais um grande papel, desta vez como a Eva de Joseph Losey. O diretor renegava o resultado final, com uma hora a menos do que o planejado. Provavelmente os produtores tinham razão. As lacunas, ao invés de enfraquecerem o filme, o tornam infinitamente complexo, cruel, insinuado, enigmático. Moreau tem essas mesas qualidades do filme.

O que poderia ser uma falha vira mérito, já que tudo se sustenta no poder de fogo da superfície de Losey, via enquadramentos, montagem, trilha, e Moreau, impondo um magnetismo exacerbado, imponente, ainda que discreto. Ela domina o outro personagem masculino, sem mais nem porquê, ou explicação. Mérito completo da atriz - tornar situações incontestáveis, à prova de questionamento.

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Eva se passa em Veneza, cidade fatal, fria, gélida. Obviamente, não conheço in loco, mas, não importa quão maravilhosa seja a celebração da cidade de David Lean em Summertime, fico sempre com a impressão assustadora e mórbida impressa na memória por Visconti, Roeg, e agora Losey. Embora este último diretor não tenha falado especificamente de morte, o clima doente (uma doença moral, provavelmente) da cidade chega imenso com um caixão numa gôndola, já nos minutos finais.

A associação da cidade com a morte também vem forte em Asas da Pomba, obra-prima do escritor Henry James, que aliás, tem crueldade discreta bem parecida com a de Losey. Os dois são americanos expatriados, mas isso não explicaria a violência sofisticada de suas narrativas.

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Gostei muito do muito imperfeito Maria Antonieta, de Sofia Coppola. No momento, tentando pôr idéias em ordem sobre o filme. Longe de ser maravilhoso, é ainda assim extremamente estimulante, levanta muitas questões, dá vontade de discutí-lo.

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Brinde: Jeanne Moreau canta Le Tourbillon de La Vie, em Jules e Jim.

Um comentário:

Ricardo disse...

Jeanne Moreau: estranhamente acabada desde jovem, desde sempre. Ótima atriz, é só não olhar muito pro rosto dela.
Jules e Jim: é chato como só alguns filmes franceses sabem ser.
Ascenseur pour l'échaufaud: o contrário. Brilhante. Mas um thrillerzinho passado em Paris e com Miles Davis de fundo é covardia.

Bom blog. Abs.