Wim Wenders era presidente do júri do Festival de Cannes de 1989, e deu a Palma de Ouro a "Sexo, Mentiras e Videotape" (1989), de Steven Soderbergh. Para justificar a premiação do filme, Wenders afirmou estar diante do "cinema do futuro". Quase 20 anos depois, a estréia de "Treze homens e um novo segredo" (Ocean's thirteen, 2007, Estados Unidos) acrescenta mais um tijolo de contradição em relação às expectativas do cineasta alemão. Soderbergh parece cada vez mais fazer um cinema do passado, nostálgico e dedicado à execução inteligente de fórmulas que foram consagradas pelo sistema de estúdios da Hollywood clássica.
Somente nesta década, ele já dirigiu os dois filmes anteriores desta franquia com George Clooney, a partir da refilmagem do original de Lewis Milestone, fez um bom remake do clássico russo "Solaris" (1972) e revisou o cinema dos anos 40 no ainda inédito no Brasil "O Segredo de Berlim" (2007). Ainda produziu "Longe do Paraíso" (2002), homenagem aos melodramas de Douglas Sirk na Universal, e assinou um dos segmentos de "Eros" (2004), em p&b e nos anos 50. O que não falta a Soderbergh é vocabulário cinematográfico.
Neste "Treze homens e um novo segredo", fica evidente o domínio do diretor do material que tem nas mãos. Já escolado, o terceiro filme da série tem tudo o que se espera dele: charme, roteiro tão complicado quanto surreal e senso de humor à beira da demência, capaz de manter o espectador por 122 minutos com um sorriso cúmplice, já engatilhado para a gargalhada. Soderbergh praticamente segue sem mudança de direção a trilha dos filmes anteriores – a única missão agora é apresentar uma nova coleção de absurdos.
Desta vez, sem Julia Roberts e Catherine Zeta-Jones (“não é da conta delas”), Danny Ocean, Rusty Ryam e sua intrépida gangue se reúnem para vingar Reuben, um dos veteranos do grupo, que levou um golpe de Willy Bank (Al Pacino, brega, bronzeado, divertindo-se muito, direto de algum texto de Tom Wolfe). Willy levou o dinheiro de Reuben e abriu um gigantesco cassino em Las Vegas. Danny Ocean e companhia vão fazer de tudo para que a inauguração do mastodôntico prédio seja um fracasso.
Willy está protegido por um poderosíssimo sistema de segurança, mas isso não será problema. O grupo vai deslocar uma perfuradora de túneis para causar um terremoto sob o cassino e derrubar o sistema. A idéia é, enquanto o sistema estiver fora do ar, causar o maior prejuízo possível em caça níqueis batizados e dados viciados. A graça, claro, é acompanhar todo esse complexo plot, que inclui uma greve no México, doações para a apresentadora Oprah Winfrey e uma coleção incrível de disfarces.
A razão pela qual isso tudo não entedia – afinal já vimos essa estrutura nos dois filmes anteriores – é que Soderbergh pisa firme no acelerador. Há milhares de outros pequenos truques desses, e como num show de mágica as caixas continuam abrindo e tem sempre mais um coelho na cartola. Quando a gente pensa que acabou, Vincent Cassel (aquele que driblou um sistema de lasers jogando capoeira) e Andy Garcia (contido, como sempre, e por isso hilário) complicam mais ainda as coisas, com uma subtrama de roubo de diamantes.
Se o roteiro faz hora extra na composição minuciosa desses momentos, o mérito de Soderbergh é ter um tempo de comédia absolutamente perfeito. Com tanta coisa acontecendo, o natural é que o filme se tornasse exagerado. O diretor segura a mão, e deixa as piadas acontecerem. Por incrível que pareça, esse humor todo é quase discreto – um ator entra em cena numa situação ridícula ou surreal, mas a deixa ou a frase feita não vem. A graça vem da criação do clima fora da realidade, e não da tentativa de fazer piada.
Soderbergh, mais uma vez acumulando a direção de fotografia, acerta mais no alvo também na parte técnica. O filme é um desbunde, como parecer ser o caso da própria Las Vegas. Muito neon, mulheres vestidas para matar e direção de arte espetacular – dos mínimos detalhes (dados, cartas, gadgets) até o design de interiores nababescos. Visualmente, temos uma incrível celebração do excesso, cujo ponto alto são letreiros com grandes quantias em dinheiro pipocando em letreiros pela tela.
O resultado é tão positivamente alienado que chega a ser chocante comparar este filme com o pequeno "Bubble", seu longa anterior – a alguns quilômetros de Vegas estão os não-atores, o clima sóbrio, a tristeza do interior dos Estados Unidos. Soderbergh parece não ter limites criativos, e busca, filme após filme, domínio do cinema de A a Z. Curiosamente, ele é mais bem sucedido em projetões de estúdio do que em suas iniciativas menores, quase experimentais.
Vale notar que essa sintonia com o passado parece ser o forte não somente do diretor, mas do melhor que o cinemão americano tem feito nesta década – desde o saudoso sessentismo do "Homem-Aranha" (2002), às navalhadas hawksianas dos irmãos Coen em "O amor custa caro" (2003), passando, claro, pelo genial "Prenda-me se for capaz" (2002), de Spielberg, e pelo doce-trágico "King Kong" (2005), de Peter Jackson. Nesse tom, Soderbergh encontrou o companheiro ideal, George Clooney, ator em moldes Cary Grant, perfeito para essa nostalgia moderna da velha Hollywood. Clooney, aliás, deixou sua marca também na direção, com "Boa noite e boa sorte" (2005), p&B, anos 50. Longa vida a essa parceria.
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