segunda-feira, agosto 06, 2007

Cão Sem Dono

Texto meu em Nacocó.

Na capa da Revista TPM, a chamada diz que Tainá Müller é a mulher que faltava no cinema brasileiro. Na mosca. Estrela de “Cão sem dono” (Cão Sem Dono, Brasil, 2007), quinto longa de Beto Brant, Tainá é linda como a vida eterna, e é ainda mais bonita porque seu rosto na tela não é vazio. Desperta emoção, apreço, carinho, ternura. Não seria tão bonita se fosse apática, nem tão expressiva se não fosse tão atraente e magnética.

Estabelecer o poder da atriz é o melhor ponto de partida para falar de “Cão sem dono”. Durante pouco mais de uma hora e meia, Brant (dividindo os créditos de direção com Renato Ciasca) convida o público a acompanhar os efeitos devastadores tanto da presença quanto da ausência da voz, olhar, andar e temperamento de Marcela, personagem de Tainá. A vítima é Ciro (Júlio Andrade). Do ponto de vista masculino, filme segue a evolução do casal, a partir do encontro depois de uma noite de sexo casual, passando pelos primeiros gestos de carinho e a incrível vontade de ficar junto, o relacionamento firme e vivido intensamente, até uma inesperada separação.

Não se trata, no entanto, de uma “DR”, como no caso do recente e belíssimo “5x2” (2004), de François Ozon. O diretor aposta num perfil de Ciro, homem sem lá muito futuro, introspectivo, e irremediavelmente apaixonado. O filme o acompanha, perdido de amor, em todos os abismos de seu tédio de desempregado, sozinho em casa, conversando sobre nada com um elenco de personagens coadjuvantes sempre generosos, mas principalmente ao lado de Marcela. A presença dela no filme é cronometrada tanto para que Tainá Muller não roube o filme, quanto para provocar uma saudade intolerável, tanto em Ciro, quanto no público.



O principal mérito do filme é essa adesão total, estável e permanente, provavelmente por causa do tratamento livre de excessos adotado por Brant. Ser excessivo, surreal, também pode ser uma qualidade, mas neste caso a força de “Cão sem dono” vem por identificação. Depois de uma virada do roteiro, o casal é separado, e o filme fica mais forte ainda. Ciro fica doente de amor, tenta se recuperar. Narrativamente, parece que o filme não tem para onde ir. E agora? É justamente nesse tempo arrastado, em que não acontece nada além da tristeza projetada, que o filme fica mais forte, puxado pela excelente atuação de Júlio Andrade.

Pena que Brant e Ciasca quase comprometam tudo isso com um final que “resolve” as coisas. O final é ruim não somente pela diluição instantânea do sentimento que eles tinham obtido, mas porque parece abrupto, grosseiro, absurdo e caído do céu, num filme que se dispôs firmemente a encarar emoções de olho na realidade. Essa nota falsa não compromete “Cão sem dono”, mas com certeza impede o filme de chegar no nível de um “Clamor do sexo” (1961) , de Elia Kazan, ou “Amor à flor da pele” (2000) , de Wong Kar-wai, lindos filmes de amor que não tiveram qualquer hesitação em mandar o público para casa com o coração pesado.

De qualquer jeito, dentro da carreira de Brant, esta é uma nova surpresa. Depois do vigoroso e bruto “O invasor” (2001) , ele havia feito o infernal e intelectual “Crime delicado” (2005) , seu melhor filme. Em “Cão sem dono”, parte para uma delicadeza porto-alegrense do mesmo tipo que Marcelo Gomes e Karim Aïnouz fizeram no interior do nordeste em “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005) e “O Céu de Suely” (2006) , respectivamente. Nada de muito novo no panorama geral, mas um excelente passo para um diretor cada vez mais interessado em gente.

2 comentários:

Gustavo disse...

Taí um filme que quero muito ver. Mas teve um distrubuição bastante porca pelo país e não chegou nem aqui na região.

E como as locadoras daqui são horríveis, duvido que chegue em dvd também. =(

André Setaro disse...

Estava pensando em War-Kar wai (não sei se a grafia está certa), aquele que fez o cultuado 'Amor à flor da pele' no qual viram maravilhas e a redenção do cinema contemporâneo. Sei não. Acho o filme muito picotado para o meu gosto, muito 'tesourinha', aprecio as tomadas mais demoradas, não tão longas, como gostam alguns para encher o saco. As tomadas longas precisam ser geniais, como aquela de Godard em 'Week-end' ou na proposta hitchcockiana de 'Festim diabólico'.