domingo, maio 17, 2009

Filmes do Exílio #7

O melhor filme que vi esse ano até agora é de 1965, francês, dirigido por Agnès Varda. As Duas Faces da Felicidade redefiniu para mim o que é intimidade e ternura no cinema. Há uma longa cena no meio da projeção que leva ao limite a capacidade de proximidade e sintonia entre duas pessoas. Não é o sexo, mas o pós-sexo: a alegria difícil de controlar por estar junto, a vontade de prolongar o momento e perceber, ao mesmo tempo, sua fragilidade.

É como aquela sensação filmada por Almodóvar em Carne Trêmula, de Francesa Neri cheirando o corpo antes de entrar no chuveiro, ou o carinho nos pés de Encontros e Desencontros - só que amplificada, estendida, quase que criando um novo ápice de carinho. Dura uns dez minutos (mais? menos? é fácil perder a noção), e Varda nem tem medo de colocar a palavra ali no meio. Um diálogo que não tem nada de "foi bom pra você?", mas de "foi e é muito bom pra mim estar com você". É lindo, sensível, sensacional.



Se essa cena em si merece destaque, não é por desnível em relação ao resto do filme: em 79 minutos, Varda faz chover uma nuvem embriagante de lirismo, à moda de seu marido Jacques Demy, só que menos pessimista e sem efeito alegórico. Um homem ama a mulher, filhos, cidade, trabalho. Aí encontra outra outra mulher, que passa a amar também, alcançando uma plenitude não-prevista em qualquer convenção, ao mesmo tempo que continua amando tudo o que já tinha antes: "a felicidade funciona por adição".

Esse equilíbrio acaba não durando, afinal há sempre o fantasma do acaso, mas sempre pode-se recuperar de volta a alegria perdida. Ser feliz afinal de contas é saber lidar com os desastres que aparecem no caminho, sem medo da tristeza, da perda, e do luto. Faz parte.



Varda filma essa ode à vida em cada detalhe, usando seu talento fotográfico para eternizar e valorizar cada momento desses de felicidade em planos lindos, arrebatadores, mas não preciosistas. O filme vai mudando o seu esquema de cores, fica todo vermelho, todo azul, todo amarelo - cada tom para uma emoção.

Tem todo um rigor na tela, algo que impede que sua direção de arte e fotografia tomem o controle, mas que tira da técnica o essencial para estabelecer as sensações que ela, Varda, quer deixar no ar. O caminho mais fácil seria comparar esse filme a alguma obra-prima do excesso, mas eu acho que é justamente o contrário. Entre Wong Kar-Wai e Robert Bresson, Varda está mais para Bresson. Só que em colorido explosivo.

***

O segundo melhor filme que vi esse ano é japonês. Minha introdução ao cinema de Mikio Naruse aconteceu com Quando Uma Mulher Sobe as Escadas, minidrama feminista de 1960, outro tour de force de delicadeza nipônica sobre a transição brusca do país do feudalismo para o século 20, e a mulher no meio disso tudo.



Para se situar dentro de referências orientais, o filme de Maruse é tematicamente irmão das obras "contemporâneas" e agressivas de Kenji Mizoguchi, especialmente seu último longa, Rua da Vergonha. Temos o mesmo universo noturno e as mulheres entertainers, mas se Mizoguchi ia direto ao assunto falando da vida de prostitutas, Naruse prefere centrar seu filme na hostess de um bar, tentando equilibrar sua dignidade entre os assédios dos clientes e a necessidade de aparentar e manter um padrão de vida luxuoso.

Em tom, no entanto, Naruse é marcadamente mais sóbrio, bem distanciado do melodrama, quase jazzy. O Ozu urbano de Early Spring ou Crepúsculo em Tóquio seria referência pela câmera fixa, mas ainda assim uma referência imprecisa, porque Naruse tem uma assinatura só dele. É crítico, mas controlado, sem tragédia, mas cheio de uma agonia discreta.

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