quarta-feira, junho 17, 2009

Sexo e sangue

Embora seja frequentemente subestimado, acho que Ang Lee tá numa fase tão boa que ao ver seu último filme lançado comercialmente, Desejo e Perigo, senti aquele tipo de expectativa do erro de um grande artista, algo que tenho encarado nos filmes de Almodóvar desde que Fale Com Ela teve a dura missão de seguir Tudo Sobre Minha Mãe.

Depois de seu inebriante musical hollywoodiano O Tigre e o Dragão, do arrojada subversão do blockbuster em Hulk e da delicadeza infinita de O Segredo de Brokeback Mountain, Lee fez mais um filmaço. Desejo e Perigo é uma cacetada capaz de suspender a respiração em longos e lentos 156 minutos, dotados do mais fino classicismo presente no cinema atual.

É um filme que honra uma velha escola de épicos calculadamente contidos, cheios de uma suntuosidade de silêncios, luxuosos cenários e corpos enquadrados em planos fixos que nos melhores momentos lembram O Poderoso Chefão Parte II, de Coppola, ou O Inocente, de Visconti. Detratores podem chamar esse show não-ostentatório de academicismo. O conceito, no entanto, passa pela obediência estúpida a padrões consagrados, mas não pelo uso desses cânones com a expressividade típica da assinatura Ang Lee.



Não por acaso, esse cabo de guerra entre épico e íntimo que o filme tão bem administra é quase uma metáfora do impasse em que vivem os personagens filmados pelo diretor em todos os seus filmes. Impasse, aliás, roubado de Jane Austen, sense e sensibility, Razão e Sentimento, como no romance que Lee filmou, maravilhosamente. O filme se equilibra na corda bamba entre filmar o interno (as emoções) e o externo (a política, a sociedade e a guerra), que é a mesmo conflito da espiã da resistência chinesa e do militar colaboracionista.

Ironicamente, em seu filme mais rico e luxuoso, Lee se desvia de abordar esse conflito com os pés do lado das convenções, como fez em Razão e Sensibilidade, O Tigre e o Dragão ou Tempestade de Gelo. Por mais que pareça o contrário na primeira hora e meia, desta vez, assim como em Hulk, Lee está mais interessado no poder do corpo, da paixão e do sexo, invertendo o sentido de influência na relação público-privado.

Tony Leung e Tang Wei podem não ficar verdes, mas se entregam às mais belas e necessárias cenas de sexo em muito tempo, desgastantes batalhas sobre a cama, mais tensas que qualquer cena de ação vistas na última década. Maravilha.

>>> Deixe Ela Entrar, o tal filme sueco de vampiros que se tornou o maior cult do último ano, é mais uma reapropriação recente de histórias de trancoso off-Hollywood, e das mais felizes. Se O Orfanato partia rumo à gótica "casa do terror" e REC em direção aos zumbis, Deixa Ela Entrar revive mais uma vez o vampirismo com lentidão e lerdeza de dar inveja em M. Night Shyamalan.



O filme é um arraso de direção, cena após cena, um intrigante jogo de esconder e mostrar a violência. O diretor Tomas Alfredson investe pesado em planos abertos para acentuar o realismo de sua história fantástica e torná-la crível, mas, ao mesmo tempo, consegue não ser gráfico dentro do quadro, quase como se marcasse suas cenas de modo teatral. As sequências são todas inteligentes, principalmente a última explosão de sangue numa piscina, e o resultado final é um primor de elegância. Mesmo para quem não tem paciência para o fantastique.

Um comentário:

Wallace Andrioli Guedes disse...

Dois filmes que quero muito assistir. Adoro o Ang Lee, acho Brokeback o filme da década! E tive algumas chances de ver DESEJO E PERIGO aqui no Rio, e acabei bobeando...
Já o DEIXE ELA ENTRAR, estou no aguardo da estreia.