sábado, julho 04, 2009

Salvação da lavoura

Ainda não vi Serras da Desordem - o filme mais amplamente reconhecido como o melhor brasileiro dos últimos tempos - mas, mesmo com esta falta, aponto aqui a minha preferida entre as produções nacionais. A Casa de Alice, que vi aqui no exílio, no laptop, tem um nível de lucidez ao tratar com o elemento "gente" que me parece completamente inédito no que temos feito, mesmo com pontos altos como O Céu de Suely ou Cinema, Aspirinas e Urubus.



A Casa de Alice supera esses filmes porque não precisa correr atrás de uma humanidade distante do público e do próprio diretor em algum ponto isolado do sertão nordestino ou numa favela carioca. Chico Teixeira dá um 180° e filma um cenário muito mais reconhecível: é a classe média em seus pequenos infernos, dentro de uma cidade grande. Não é um filme sobre "o outro", graças a Deus. Tirando Domingos de Oliveira, até que enfim alguém resolveu fazer um filme sobre um mundo que conhece.

Beneficiado por este conhecimento, Teixeira alcança nível de excelência que me lembra alguns filmes argentinos contemporâneos, como O Pântano, ou Família Rodante. Não deixa de ser curioso que os argentinos façam esse tipo de coisa com o pé nas costas, e nós só agora alcancemos esse patamar. A Casa de Alice não apenas tem verdade - coisa que já havia em outros bons filmes brasileiros recentes -, mas também provoca identificação.

***



Um nível abaixo está a beleza de Mutum, que a ultraurbana Sandra Kogut logroua partir daquele lindíssimo Campo Geral, de Guimarães Rosa, que li em 2002 pro vestibular da Unicamp. O filme funciona em dois níveis. Primeiro, tem a bola bem baixa, sem que sua simplicidade pareça em nenhum momento um artifício artístico, um falseamento da vontade de filmar no "arte" mode. Mutum tem a dimensão que devia ter e pronto.

Em segundo, consegue atualizar muito bem Rosa, mesmo fugindo de suas armadilhas de linguagem. O cheiro da terra e da gente é o mesmo, chega intacto. O andamento, o ritmo, a o tempo próprio do autor são maravilhosamente traduzidos pela montagem discreta e eficiente. Um prazer.

PS: Desejo e Perigo em cartaz em Salvador. Junto com Gran Torino e Entre os Muros da Escola, forma a atual trinca de filmes do ano. Imperdível.

4 comentários:

Wallace Andrioli Guedes disse...

A CASA DE ALICE é um filmaço mesmo, e tive a sorte de assisti-lo no cinema, no festival de Juiz de Fora. MUTUM, infelizmente, passou no mesmo festival, um ano antes, e acabei perdendo... e por enquanto, nada de ser lançado em dvd.

Anônimo disse...

Quando vi no cinema, também achei muito próximo de filmes argentinos recentes. Muito, muito bom mesmo.

Rafa Amaral disse...

Olá Amigo cinéfilo. Gostei muito de seu espaço, inclusive vou segui-lo. Venha conhecer meu blog e segui também, podemos fazer uma parceria e coloco o seu link no meu, e vice-e-versa. Que tal? Passa lá!!!!

http://cinemasemtempo.blogspot.com

Abraçossss

Andreia Santana disse...

Ainda não vi A casa de Alice, mas depois da sua análise, fiquei bastante interessada...