sexta-feira, setembro 04, 2009

Alfazema e arsênico

Tento há dias escrever alguma coisa sobre uma marretada em forma de cinema chamada O Segredo Íntimo de Lola, de Jacques Demy, mas tudo o que poderia (e vou escrever abaixo) pode ser resumido numa frase de um amigo do Orkut, Júnior Soares: alfazema e arsênico. O Segredo... , ou Model Shop, retoma a personagem-título de Lola, A Flor Proibida, a prostituta sonhadora à espera de seu grande amor, que chega num carro branco conversível, como um príncipe sobre seu cavalo (onde li isso?).

Na continuação de seu primeiro longa, desmonta de vez o artificialismo daquele sonho de amor em p&b e traz Lola de volta, amrgurada, abandonada na América após um divórcio humilhante, prostituindo-se novamente para pagar uma passagem de volta à França e reencontrar seu filho pequeno. Um arquiteto desempregado se apaixona por ela à primera vista, mas a guerra o espera na segunda-feira.



Ao menos nessa fase dos anos 60, Model Shop é o filme de Demy mais frontalmente amargo, sem o lirismo da música de Michel Legrand para disfarçar a crueldade do mundo, ou a paisagem das cidades portuárias francesas para envolver os personagens em um pouco de beleza. Não - Los Angeles, uma cidade que os personagem do filme adora, nunca pareceu tão triste e deprimente, e o tom estranhamente não-espetacular para o normal do diretor nos garante que esse é um exemplar de melancolia puro sangue.

Não há aquela vontade de reconstruir o universo para escapar à realidade, algo identificado por vários críticos em Vincente Minnelli, outro mestre do musical. O que era a Argélia se infiltrando em Lola, Os Guarda-Chuvas do Amor e Duas Garotas Românticas se converte no Vietnã. O final feliz de A Baía dos Anjos também é sacrificado ironicamente numa fala de Lola, que revela o paradeiro da personagem de Jeanne Moreau - não resistiu ao vício e abandonou seu companheiro daquele filme, tendo ido parar em Las Vegas.

Não é surpreendente, portanto, que desta vez Demy nem se dê ao trabalho de criar um happy end fake para destruir depois. O encontro de uma noite dos protagonistas acaba sem direito a evoluir para um relacionamento. Um recado passado ao telefone por uma amiga corta o amor pela raiz, sem direito a despedida, e fade to black.

Um comentário:

André Setaro disse...

Como sabe você, adoro Jacques Demy e o coloco entre os dez maiores cineastas de todos os tempos. Mas "O segredo íntimo de Lola' ("Model shop"), que vi há séculos passados no extinto cine Popular, tenho vagas e fugidias lembranças. Gostaria muito de revê-lo, pois um filme que desapareceu dos arcanos de minha memória.