Rapaz, muito bem ver a imagem estourada semi-VHS de um Domingos de Oliveira em pleno Multiplex Iguatemi, aqui em Salvador, o complexo mais popular da cidade. Melhor ainda é ver essa plateia nem aí pra imagem, completamente na mão do filme. Bom, eu já sabia: Domingos não precisa ficar enconstado no circuito de arte, passando pra gente que nem sempre o entende ou o tome por um sub Woody Allen de fala enrolada.
Domingos é popular, e o que eu vi hoje não é só resultado de palavrões e muito sexo discutido abertamente, com bom humor. O cara sabe escrever e filmar com grande poder de comunicação, sem que isso seja uma concessão. Ele é naturalmente popular e sofisticado.
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Em Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, além da graça e do escracho que chegam ao ponto do catártico (o cinema foi abaixo de tanto riso umas 20 vezes), há um jogo de cena intrigante, de como ele, Domingos, o auteur, resolveu transpôr sua peça de sucesso pro cinema.
O próprio diretor aparece no início dizendo que não queria fugir da origem teatral, e, ameaça impôr o palco à tela: "Quero emprestar ao cinema os poderes do teatro, que é mais velho". No entanto, nos 80 minutos seguintes, não há nada parecido com teatro filmado, no todo, embora várias e várias vezes tenhamos momentos exatamente disso, de atuações no palco captadas em vídeo.
O lance é que Domingos encena o mesmo texto em pelo menos três registros: a) a cena cinematográfica, sem palco, naturalista; b) os atores no palco ou em ensaios, fazendo teatro para a câmera, mesmo que com público; e c) registros puros de teatro. Aí ele embola tudo numa cena só, pulando na montagem de um registro pra outro, sem parar, às vezes até no plano-contraplano.
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Como isso não desanda, não sei explicar. Acho que a razão já é a própria estrutura fragmentada da peça original, "cinematográfica", que tem nela mesma a abertura para a edição. Com esses pulos, Domingos abre mão completamente da opacidade ficcional, da suspension of disbelief, da quarta parede ou raio que o parta. O filme é 100% ficção, tá na cara, o tempo todo. Mas o texto segura o tempo todo o público na mão dentro das situações - diga-se a verdade, usando o escracho como principal arma para obter esse fim.
Nessa linguagem mista e transparente, seja lá qual for, todos os registros se convergem para um só, sem quebra de tom, e eu acho que, ao contrário do que Domingos acha, o filme é cinema puro, e não teatro. O cinema comporta essa mistura de linguagens, mas a absorve. O cinema sempre será puro, não importa quantas referências tenha, e talvez seja mais puro quanto mais impuro seja em suas origens. Todo Mundo Tem Problemas Sexuais não é teatro filmado. Não dá pra competir com a montagem. Ela engole tudo.
sábado, setembro 10, 2011
terça-feira, setembro 06, 2011
Ladainha
O que mais me impressionou em A Árvore da Vida foi sua estrutura, ou não-estrutura. O cinema não nasceu ontem, mas ainda há espaço para o choque com a fragmentação e com outro tipo de fluxo narrativo, ou com um cinema que não parece interessado em narrar nada. Não tem cena, sequência, ato: o filme é uma vinheta gigante e ininterrupta embalada por uma prece, uma vontade de transcender, de pensar e remoer na cabeça a relação entre natureza e graça.
Os momentos (e não cenas) dessa reza têm então de ser outros. Não tem nada que seja normal nessa câmera, que parece, mesmo no chão, sempre em pleno voo - ela mesma uma consciência total. É tudo vertical, cima-baixo, baixo-cima, ou circular. A imagem não parece ter controle, mas longe de irritar, aborrecer, como aqueles cineastas viciados em um estilo Aqui Agora de balançar câmera, Malick na verdade quer suspender a realidade, superá-la.
Me parece, na verdade, uma câmera-alma, como a subjetiva do fantasma de Sokurov em Arca Russa, só que sem nenhum senso de marcação, e muito mais selvagem. Usando a dicotomia apresentada no início do filme, A Árvore da Vida tem uma imagem que se comporta como a natureza, mas apenas para chegar à Graça. Ou tirar a Graça da própria natureza.
Num filme que se propõe a isso, me parece duvidoso que se objete um caráter reiterativo, como li por aí. As metáforas não precisam ou mesmo não devem ter uma estrutura "ótima", uma economia narrativa - como se, caso fosse possível obter o mesmo efeito a partir de um artifício menor, este artifício menor fosse obrigatório. Num filme com essas ambições, mais é mais. Mais, mais, mais. E a repetição de ideias, até pelo cansaço, conforma uma ladainha, oração cujo efeito (estético-religioso-epifânico) se dá justamente por essa insistência.
O mais legal é esse contraste: uma ladainha coletiva com o espaço para a digressão constante, uma vontade de voltar ao ponto de partida que, na vida, foge das mãos assim que parece estar sob controle. Bora ver como o filme decanta, mas até agora é o filme do ano.
Os momentos (e não cenas) dessa reza têm então de ser outros. Não tem nada que seja normal nessa câmera, que parece, mesmo no chão, sempre em pleno voo - ela mesma uma consciência total. É tudo vertical, cima-baixo, baixo-cima, ou circular. A imagem não parece ter controle, mas longe de irritar, aborrecer, como aqueles cineastas viciados em um estilo Aqui Agora de balançar câmera, Malick na verdade quer suspender a realidade, superá-la.
Me parece, na verdade, uma câmera-alma, como a subjetiva do fantasma de Sokurov em Arca Russa, só que sem nenhum senso de marcação, e muito mais selvagem. Usando a dicotomia apresentada no início do filme, A Árvore da Vida tem uma imagem que se comporta como a natureza, mas apenas para chegar à Graça. Ou tirar a Graça da própria natureza.
Num filme que se propõe a isso, me parece duvidoso que se objete um caráter reiterativo, como li por aí. As metáforas não precisam ou mesmo não devem ter uma estrutura "ótima", uma economia narrativa - como se, caso fosse possível obter o mesmo efeito a partir de um artifício menor, este artifício menor fosse obrigatório. Num filme com essas ambições, mais é mais. Mais, mais, mais. E a repetição de ideias, até pelo cansaço, conforma uma ladainha, oração cujo efeito (estético-religioso-epifânico) se dá justamente por essa insistência.
O mais legal é esse contraste: uma ladainha coletiva com o espaço para a digressão constante, uma vontade de voltar ao ponto de partida que, na vida, foge das mãos assim que parece estar sob controle. Bora ver como o filme decanta, mas até agora é o filme do ano.
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