sábado, setembro 10, 2011

Jogo de Cena

Rapaz, muito bem ver a imagem estourada semi-VHS de um Domingos de Oliveira em pleno Multiplex Iguatemi, aqui em Salvador, o complexo mais popular da cidade. Melhor ainda é ver essa plateia nem aí pra imagem, completamente na mão do filme. Bom, eu já sabia: Domingos não precisa ficar enconstado no circuito de arte, passando pra gente que nem sempre o entende ou o tome por um sub Woody Allen de fala enrolada.

Domingos é popular, e o que eu vi hoje não é só resultado de palavrões e muito sexo discutido abertamente, com bom humor. O cara sabe escrever e filmar com grande poder de comunicação, sem que isso seja uma concessão. Ele é naturalmente popular e sofisticado.

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Em Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, além da graça e do escracho que chegam ao ponto do catártico (o cinema foi abaixo de tanto riso umas 20 vezes), há um jogo de cena intrigante, de como ele, Domingos, o auteur, resolveu transpôr sua peça de sucesso pro cinema.

O próprio diretor aparece no início dizendo que não queria fugir da origem teatral, e, ameaça impôr o palco à tela: "Quero emprestar ao cinema os poderes do teatro, que é mais velho". No entanto, nos 80 minutos seguintes, não há nada parecido com teatro filmado, no todo, embora várias e várias vezes tenhamos momentos exatamente disso, de atuações no palco captadas em vídeo.

O lance é que Domingos encena o mesmo texto em pelo menos três registros: a) a cena cinematográfica, sem palco, naturalista; b) os atores no palco ou em ensaios, fazendo teatro para a câmera, mesmo que com público; e c) registros puros de teatro. Aí ele embola tudo numa cena só, pulando na montagem de um registro pra outro, sem parar, às vezes até no plano-contraplano.

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Como isso não desanda, não sei explicar. Acho que a razão já é a própria estrutura fragmentada da peça original, "cinematográfica", que tem nela mesma a abertura para a edição. Com esses pulos, Domingos abre mão completamente da opacidade ficcional, da suspension of disbelief, da quarta parede ou raio que o parta. O filme é 100% ficção, tá na cara, o tempo todo. Mas o texto segura o tempo todo o público na mão dentro das situações - diga-se a verdade, usando o escracho como principal arma para obter esse fim.

Nessa linguagem mista e transparente, seja lá qual for, todos os registros se convergem para um só, sem quebra de tom, e eu acho que, ao contrário do que Domingos acha, o filme é cinema puro, e não teatro. O cinema comporta essa mistura de linguagens, mas a absorve. O cinema sempre será puro, não importa quantas referências tenha, e talvez seja mais puro quanto mais impuro seja em suas origens. Todo Mundo Tem Problemas Sexuais não é teatro filmado. Não dá pra competir com a montagem. Ela engole tudo.

Um comentário:

Fabrício Cordeiro disse...

Rapaz, tu voltou a atualizar! o/