terça-feira, julho 17, 2012

De inspiração

Num dos grandes filmes dos últimos tempos, Poesia, de Lee Chang-Dong, uma sexagenária à beira do Mal de Alzheimer decide aprender a escrever. Tenta abrir os olhos para a beleza das coisas, da natureza, das pessoas. Não sai muita coisa. No fim do filme, nossa protagonista terá em mãos uma linda poesia, mas, para isso, precisará perceber que a arte não se materializa apenas a partir da mera inspiração pelo que é belo. É preciso abraçar e traduzir o que é áspero na vida - o que é abrasivo e rugoso e difícil.

Esse filme tem me perseguido não apenas por ser uma maiúscula obra de arte de força e pungência, mas porque a cada esquina da música, da televisão, dos filmes, dos livros e dos pequenos textos de Facebook, tenho esbarrado com um fofismo incômodo travestido de arte, uma vontade de produzir prazer estético apenas com um monte de sensações boas; um paz & amor estiloso, ensimesmado na delícia de reverberar discos preferidos num dia de chuva, na cama, em casa, no qual o máximo de emoção que se consegue extrair é uma leve melancolia.

Mas não é uma melancolia realmente triste. É apenas aquele tipo de melancolia soporífera que casa bem com os filtros novos do Instagram, perfeitos para captar o vermelho desbotado de um Converse All-Star ostensivamente velho.  E confortável, porque, pra usar um gasto chavão dos administradores de empresas, tudo isso é uma arte da zona de conforto, tão impactante quanto um All-Star usado. Me incomoda.

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