domingo, outubro 22, 2006

Garbo?


Para quem se alinha comigo e Inácio Araújo e não vê muita graça na Greta Garbo dos filmes, sempre fascina mais o encantamento dos outros por sua figura éterea. Se a Garbo chata, chorosa e melodramática de Anna Karenina, Grande Hotel e boa parte de Ninochtka mina minha paciência, a Garbo urbana e novaiorquina parece ser bem mais interessante. Duas histórias que não canso de repetir. 1) Paulo Francis, sempre ele, conta a história sensacional da pré-estréia de A Bela e Fera, de Jean Cocteau, cujo público era somente Garbo, senhora de uma sala vazia. O filme acaba, o monstro vira príncipe e a atriz sueca, já aposentada, reclama: “Quero a minha fera de volta!”. 2) Mastroianni narra seu primeiro encontro com a diva, que pediu para conhecê-lo. A primeira fase dela: “Italian shoes?”
Volto a Garbo pelo filtro de Truman Capote, escritor que dosa perfeitamente melancolia e frivolidade. Acabo de ler Os Cães Ladram, meio que para me recuperar do sofrimento físico e psicológico de Os Sertões, clássico do jornalismo (e da narrativa) negligenciado por mim até então. Entre os grandes momentos do livro – e Capote é muito mais gênio em histórias curtas do que em A Sangue Frio -, esse terno e carinhoso texto, dentro do capítulo Nova York, segmento “Cor Local”. Para Gabriela e Fernanda:


“Vi Garbo duas vezes na semana passada, uma no teatro, onde ela sentou ao meu lado, e num antiquário da Terceira Avenida. Quando menino sofri uma série de problemas, passando muito tempo de cama, dedicando a maior parte do tempo a escrever uma peça de teatro a ser estrelada pela mulher mais linda do mundo, e era assim que eu descrevia a srta. Garbo na carta que acompanhava o texto. Mas nem a peça nem a carta foram comentadas, e por muito tempo guardei um ressentimento desesperado, que nunca mais passou, até a outra noite quando, num sobressalto do coração, identifiquei a mulher sentada ao meu lado. Foi uma surpresa vê-la tão pequena, tão vividamente colorida: como Loren McIver disse, com traços assim a gente nem espera que venha cor, também.
Alguém perguntou: "Você acha que ela é inteligente?". Isso me pareceu uma pergunta ultrajante; sério, importa para alguém se ela é inteligente ou não? Sem dúvida basta que um rosto assim exista, embora a própria Garbo possa ter chegado ao ponto de lamentar a trágica responsabilidade de possuí-lo. Não tem graça nenhuma seu desejo de ficar sozinha; claro que deseja isso. Imagino que seja o único momento em que ela não se sente só: se a pessoa percorre um caminho circular, guarda sempre uma certa melancolia, mas não se lamenta em público.
Ontem, no antiquário, ela andava de um lado para outro, observando tudo atentamente, sem se interessar no fundo por nada, e por um momento maluco, pensei em falar com ela, só para ouvir sua voz, sabe; o momento passou, graças a Deus, e ela seguiu até a porta e saiu. Aproximei-me da janela e a vi andando apressada pela rua azulada, ao entardecer, com seus passos saltitantes, longos. Na esquina, ela hesitou, como se não se soubesse para que lado queria ir. As luzes da rua foram acesas, um reflexo criou subitamente na avenida uma parede branca: com o vento a fustigar seu casaco, e sozinha, Garbo, ainda a mulher mais bonita do mundo, Garbo, o símbolo, caminhou diretamente para ela.”
Tradução de Celso Nogueira.


2 comentários:

Paulo disse...

"Garbo" foi o sonho de muitos homens antigos....é, de facto, uma referência da sétima arte..e dos devaneios libidianos de muitos homens.....
Voltei ao teu blogue que sempre me supreende.
Abraço
Paulo
Portugal (Lisboa)

Angelov disse...

Oh, que lindo!!