quarta-feira, agosto 30, 2006

Você, de quem nunca estou distante

(Antes de começar, um aviso: os comentários estão liberados para não-usuários do Blogger. Valeu, Tiago)
Você, de quem nunca estou distante

Não consigo lembrar de como era antes de conhecer você. Será que sempre fui como sou hoje? Lembro-me de estar perdido. Tenho certeza disso. Vagando. Indo de uma mulher para outra. Ficando, às vezes, apenas o tempo suficiente para compreender que a perplexidade delas era maior que a minha. Pelo menos, era o que parecia. Mas não me lembro de me sentir tão nervoso antes, tão desgastado. Eu as observava de uma certa distância, tomando banho de esponja em suas pias, raspando bolas negras com lâminas de barbear, movendo-se como rainhas em câmara lenta. Então, elas se tranformavam nas garotas de antigamente, com risadinhas nervosas e dobrando as pernas longas sob o corpo. O modo como andavam com passos macios com os saltos altos e depois sacudiam o cabelo como os cavalos agitam a cauda.
Mas de você, não guardo nenhuma distância. A cada movimento seu, sinto como se viajasse em sua pele. cada olhar seu para fora da janela é como se estivesse completamente sozinha e sonhando com outros tempos. Não adianta balançar meus braços, acenando. Agora está tudo ao contrário.

Shepard

Este é um dos contos de Sam Shepard em Cruzando o Paraíso, livro mencionado no antepenúltimo post. Não passa perto dos melhores, mas é curto suficiente para ser digitado. Além disso, dá pra ver nele algumas coisas de que gosto muito em Shepard. Para começar, esse ponto de vista masculino, meio perturbado por uma ou duas histórias de amor que já teve na vida - inesquecíveis, mas perdidas em algum lugar. Talvez algo truffautiano? Tem outro conto com o mesmo tipo de romantismo, muito bom, chamado Pele Fina; imagino que traduzido de Soft Skin, o mesmo título americano do atordoante Um Só Pecado, do diretor francês.
Aqui, ele parece no modo Roberto Carlos de escrita: a mesma coisa do amor perdido, de maneira clara, simples, talvez óbvia, mas muito efetiva - e RC é bem mais impactante. Ainda assim, esse cenário banheira e banho de esponja não deixa de me lembrar que Shepard escreveu Crônicas de Motel, o livro no qual Win Wenders se baseou para fazer Paris, Texas. O filme é a mediana perfeita no tempo entre O Indomado (1963) e Brokeback Mountain (2005) - histórias sobre tempo perdido no hostil Mid-West em ponto de vista completamente masculino e solitário, pós-faroeste. É esse o clima dos contos de Cruzando o Paraíso, discretamente lírico, cheio de histórias sobre pais e filhos, homens abandonados, mulheres que querem viver, quartos de hotel de beira de estrada.

Harry Dean Stanton em Paris, Texas


Agora um pouco de orelha: Sam Shepard nasceu em 1943, em Fort Sheridan, Illinois; dramaturgo já escreveu mais de 45 peças, tendo vencido o prêmio Pulitzer em 1979 por Buried Child. Foi indicado ao Oscar de melhor ator codjuvante por Os Eleitos, adaptação sem falhas da obra-prima de Tom Wolfe. Vive hoje com Jessica Lange, com quem tem dois filhos.

Moral da história: preciso ver urgentemente Estrela Solitária, de Win Wenders, atualmente em cartaz em alguma Sala de Arte. Shepard escreve e atua, no papel de um astro de faroeste que abandona um set de filmagem para se encontrar com um filho que não conhecia.

domingo, agosto 27, 2006

Hong Kong, Meu Amor

Depois de passagem apressada pelos cinemas baianos no início do ano, 2046 - Os Segredos do Amor, de Wong Kar-wai, volta a cartaz, na Sala Walter da Silveira. Para quem não conhece o diretor, a carta de apresentação é um romantismo sem fim, que foge de modelos melodramáticos tradicionais para apostar em uma relação com os sentidos do espectador. Mais uma vez nos anos 60, Kar-wai nos apresenta as várias histórias de amor de Chow Mo-Wan, jornalista estilo café, cigarro e ventilador de teto que busca em todas as mulheres a sua paixão não resolvida por Su Li Zhen - paixão mostrada em Amor à Flor da Pele, de 2000. Da complicada tapeçaria dessas histórias de amor, ficam o cheiro, o som, o clima... Nesses dois filmes - e no seu episódio para Eros - o diretor está praticamente fundando um movimento artístico de um homem só, o sessentismo.
Essa tendência extrapola trilha e decoração de interiores e passa para o campo referencial - revisão de diretores revelados mais ou menos nessa época. Amor à Flor da Pele tinha um forte teor Truffaut, em sua metade Hitchcock, filmando o amor como a tensão e rigor de um crime: A Mulher do Lado é uma referência, também por causa da relação adúltera entre vizinhos. 2046 vai em direção a Alain Resnais. Em seus filmes mais famosos, Hiroshima Mon Amour e O Ano Passado em Marienbad, Resnais conta histórias de amor com tempo e espaços estilhaçados, histórias narradas segundo a lógica da memória. 2046, na mesma escola, perde a noção temporal (viajando pra passado, futuro e futuro distante) e geográfica (Cingapura, Tailândia, quartos de hotel), desafiando qualquer tentativa de arrumação linear. O motor do filme é a recordação.


O interessante disso tudo é que o vocabulário cinematográfico sofisticado de Kar-Wai não o restringe a fazer um cinema de citações, como alguns filmes de Brian de Palma. Cada imagem é completamente autoral, ficando a semelhança com outros autores em nível temático e estrutural. Por autoral, nesse caso, entenda-se o detalhismo fotográfico, de cores que parecem inventadas em cenários e figurinos ultra-texturizados, recursos de edição que quase sempre atrasam o olhar, para que possamos ver com mais atenção cada uma das deusas orientais que passam pela vida do protagonista. Cabe destacar o apuro visual da concepção das histórias futuristas de Chow Mo-Wan, capaz de gerar uma imagem que fica para sempre: a andróide que aprendeu a amar, somente para fracassar, olhando pela janela, triste. Acusações de super-estetização devem ser descartadas, pois todo a minúcia na composição de cada imagem converge pra conteúdo humano do filme – não há excesso, distração.
Por toda essa fome de imagem, a Sala Walter não é o melhor lugar pra ver o filme, embora seja muito melhor do que uma tevê, por exemplo. Numa sala com projeção e som impecáveis, o filme não acontece só na tela; dá pra sentí-lo nas mãos, pés, ao redor da cabeça. De Amor à Flor da Pele para 2046, Kar-wai passou a adotar o formato Cinemascope, em que a largura é 2,35 maior que a altura - cinema totalmente retangular. A imagem crescem para os lados e pra frente; meio que abraça o espectador. 2046 tem o poder espacial de uma instalação. É pra esse tipo de filme que serve o adjetivo "sensorial", tão banalizado.
Na verdade, a eloqüência com que Kar-Wai entende a memória através desse tipo de detalhe físico tem tanto poder que é capaz de alterar a perspectiva de um espectador mais propenso à experiência do filme. Um olhar trocado por um casal amigo durante um almoço cotidiano; a tristeza de um amigo em fim de caso; a mulher com a cabeça encostada no vidro do ônibus, ao seu lado. Por algum tempo (dias? meses?) dá pra viver num mundo 2046.
Em tempo: O título é uma referência ao quarto que abrigou o romance secreto de Amor à Flor da Pele, projetado por Chow Mo-Wan em suas histórias sci-fi como o ano onde elas acontecem.

domingo, agosto 20, 2006

Fassbinder, Malick


Sem tempo para escrever, vou mencionar dois filmes que vi recentemente e me deixaram de olhos bem abertos:

Lili Marlene, talvez meu filme preferido de Rainer Werner Fassbinder. Projetão, direção de arte, elenco internacional - o que normalmente diluiria um cineasta radical, é para Fassbinder uma oportunidade de ser mais aplicado ainda na sua paixão pelos melodramas de Douglas Sirk. O corte do filme é Hollywood, mas sem perder uma vírgula da crítica e do ceticismo fassbinderiano (e sirkiano). Agora, como o filme foi rodado em inglês e posteriormente dublado em alemão, o DVD da Versátil deveria ter o áudio original.

Dias de Paraíso tem todas as qualidades que dão carga para detratores desqualificarem Terrence Malick como cineasta hippie: lentidão, marola, paz. Eu gosto, e desse filme especialmente - uma história de amor em algum lugar entre O Destino Bate à Sua Porta e Os Desajustados. A trama é a mesma de As Asas da Pomba. Casal planeja aproximação com uma pessoa rica e com pouco tempo de vida, que deve ser seduzida e deixar sua fortuna para usufruto dos golpistas. O problema, tanto aqui como no romance de Henry James, é que surge uma paixão sem futuro entre escroque e vítima. De qualquer jeito, qualquer sinopse apressada não dá conta de anunciar a delicadeza letal da coisa toda. Sam Shepard, como o fazendeiro moribundo é perfeito. Estou lendo um livro de contos dele, Cruzando o Paraíso, cujo tom é o mesmo desse filme, bem bom.

segunda-feira, agosto 14, 2006

Dia dos Pais


Um filme para celebrar o dia dos pais, e não é O Poderoso Chefão:

Rio Grande é o último filme da trilogia de John Ford sobre a cavalaria americana; os dois primeiros são Sangue de Heróis (e não Herói, como quer a Warner) e Legião Invencível. John Wayne é o Tenente-Coronel Kirby Yorke, encarregado de treinar recrutas. Um dos novatos é seu filho, que ele não vê desde que se separou da mulher Kathleen, a genial Maureen O'Hara. Quando a base enfrenta o perigo Apache, ela aparece para resgatar o filho, que se alistou contra sua vontade. O garoto decide ficar, mesmo sob ataque, para aprender com o pai o que é ser um homem de verdade. Numa cena discreta e linda, o Ten Cel Yorke decide não interferir numa briga em que o filho se mete. Instinto vs linha de conduta + orgulho: Wayne é brilhante.

Na verdade, não sei porque cito esse filme, porque a relação homem-mulher é bem mais importante no todo: temos dois adultos que se amam, mas foram afastados pela guerra - tema sempre de alta voltagem para cineastas hábeis. A relação ausente pai-filho é um efeito daninho da guerra para o casal. Ainda assim, a vontade de recuperar o tempo perdido manifestada em tons austeros e discretos, é tão potente que eu fico com essa coisa na cabeça, o tempo em que os homens não expunham suas emoções e mesmo assim eram capazes de amar e respeitar. Grande filme.

sábado, agosto 12, 2006

Reset

EDITADO: Vi o filme, dez.

Vejam a notícia abaixo. Era bom demais para ser verdade. Filmes que tenho esperado há muito tempo, passando no Aeroclube, a dez minutos de caminhada de onde moro... Pois é, acabei de chegar em casa, porque fui ver Caché, de Michael Haneke, e a cópia "não chegou". Sem nenhum anúncio na porta, nenhum cartaz, nada. Eu pego a fila, ansioso pelo filme, e a bilheteira simplesmente me informa que "a cópia não chegou". Eu devia ganhar um ingresso pra ver qualquer outro filme, pelo transtorno. Enfim, muito frustrante.

09/08/06
Cinema de Arte ganha sessão na programação do UCI Aeroclube
do A Tarde On Line
A partir desta sexta, 11, o cinema UCI do Aeroclube passa a integrar o circuito de exibição "Cinema de Arte". Este projeto, que já está em vigor em Maceió, Fortaleza e Recife, trará na sua estréia o drama "Cachê", de Michael Heneke, vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes 2005.O "Cinema de Arte" foi fundado em 1963 pelo cineclubista cearense Darcy Costa. Em sua programação estão previstas as exibições dos filmes "O Homem Urso", de Werner Herzog; "A Criança", dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2005; "Factótum – Sem Destino", de Bent Hamer, adaptação do romance de Charles Bukowski; "Pais, Filhos & etc", de Michel Boujenah; "Neste Mundo", de Michael Winterbottom, ganhador do Urso de Ouro do Festival de Berlim-2003 e do Bafta de Melhor filme estrangeiro; e a Mostra Lucas Belvaux, composta pelos filmes "Acordo Quebrado", "Em Fuga" e "Um Casal Admirável".
A programação do Cinema de Arte acontece na sextas, às 21h; sábados, às 19h30 e na Faixa Nobre de segunda a quinta-feira, às 19h30.

quarta-feira, agosto 09, 2006

A Mulher do Lado


Já faz algum tempo que quero publicar uma lista das mulheres mais sensacionais do cinema, mas tenho me detido por nunca ter visto Assassinos, de Robert Siodmak. Paulo Francis tem uma história ótima com esse filme, que criou o mito Ava Gardner. Já vi outras coisas com ela, mas, por enquanto, mantenho a lista em suspenso.

Escrevo hoje por causa de uma observação em relação às mulheres que costumo lembrar nessa lista: algumas ficaram marcadas por um tipo de papel, o da educadora sexual. Algo entre quarenta anos, experiente, exercendo um misto de autoridade e atração sobre garotos incautos - a Jocasta sem impedimentos, diriam os psicanalistas.

Esse perfil costuma ser bem popular com os cinéfilOs, porque geralmente aparece em flashbacks melancólicos e romãnticos, ao som de uma música evocativa. Não se trata só de educação sexual, mas de educação sentimental também, rito de passagem. Minhas preferidas, com a ressalva de que não vi Malèna, de Giuseppe Tornatore. A exuberante Monica Bellucci faz o papel título, a Segunda Guerra de fundo, música de Ennio Morricone - deve ser um clássico do gênero. Minhas duas preferidas, afinal:
Jennifer O'Neill, em Verão de 42

O'Neill é Dorothy, uma dona de casa esperando por notícias do front de seu marido soldado na ilha de Nantucket, onde um grupo de garotos passa férias e luta pela primeira experiência sexual. Herman, o escolhido, sempre te ajuda a bater pregos, carregar compras, e fazer outros serviços domésticos - até que chega o ponto em que a próxima tarefa é saciar a carência emocional de Dorothy.


Cínicos podem identificar na personagem uma variação do perfil passivo-agressivo construído por Woody Allen para Mia Farrow em Maridos e Esposas - a mulher que nunca se manifesta, mas sempre obtém o que quer, fazendo todos acreditarem que ela nunca quis nada. Acho que não é o caso.
Dorothy é muito mais que um objeto sexual, porque sua sensualidade vem principalmente do fato de que ela é ao mesmo tempo cativante e frágil. Muito mais que a perda da virgindade - e a cena de sexo aqui é linda, de uma delicadeza sem limites - o que o filme mostra é o despertar do primeiro amor, sem perspectivas, mas arrebatador. O sexo vem como conseqüência.
O material é perfeito pra Robert Mulligan, de O Sol é Para Todos, outro eloqüente retrato de pessoas lembrando experiências marcantes em sua formação pessoal - e outra história real.
Obs.: a) a música embriagante é de Michel Legrand. b) na cena do cinema, o filme em cartaz é A Estranha Passageira, outro conto de educação sentimental.

Anne Bancroft, em A Primeira Noite de um Homem

Como diz meu colega Flávio Costa, "Mrs. Robinson é quintessência da mulheres balzaquianas no cinema". Ela administra durante 35 minutos uma verdadeira tortura em Benjamin Braddock (Dustin Hoffmann), filho adolescente de uma família amiga. Não que Benjamin fosse gay, ou tivesse horror a sexo. O problema é que ela era casada; mas, uma vez versada e escolada na vida, age com o maior sangue frio na sua sedução, o que o pobre garoto mal pode suportar. Muita tensão.


Não bastasse a pressão de ter que tomar várias decisões que definirão a sua vida, Benjamin ainda tem que inaugurar sua vida sexual com extremo jogo de cintura para não revelar sua ligação clandestina - enquanto não está chocado pela descontrução da imagem da matrona de família que Mrs. Robinson deveria ser. Benjamin é praticamente convocado a satisfazer os desejos da senhora, é mais uma frente de pressão. Somente quando conhece a filha de Mrs. Robinson, consegue se realizar de uma maneira, digamos, livre. Aí é uma pena que, como escreveu Kléber Mendonça Filho, a pistoleira agressiva e implacável pareça se acomodar.
Obs.: a) Bancroft tinha 36 anos, e Dustin Hoffman 30 quando fizeram o filme. b) outra boa definição de Mrs. Robinson é feita por Miguel Falabella: "Ela é o próprio Estados Unidos, imperialista; quer por quer, e vai lá, come o garoto". c) Doris Day recusou o papel. Somente Ruy Castro acha que a loura seria uma escolha mais acertada. d) mais uma vez a música é fundamental. "Mrs. Robinson", de Simon & Garfunkel, é uma das melhores canções da história, e provavelmnte a melhor já escrita para um personagem de cinema.
As outras:

Separando essas duas, diametralmente opostas em comportamente, mas igualmente importantes na construção do imaginário Jocasta, estão outras mulheres dignas de nota:
>>> Irene Papas em Zorba, o Grego: é um papel menor, e Irene não é muito bonita, mas tem fogo o suficiente para hipnotizar o escritor tímido de Alan Bates. Ele já não era nenhum mocinho, mas na sua embalagem paletó-gravata-livros, parecia ser mesmo virgem.
>>> Grazyna Szapolowska em Não Amarás. Ela é uma prostituta que fascina um garoto residente em um prédio vizinho. Ele espiona, segue, inventa mil subterfúgios para estar perto. Ela descobre, e a chapa esquenta.
>>> Magali Noel, em Amarcord. Em mais um filme de reminiscências (falsas, no caso de Fellini), Magali Noel é Gradisca, a obsessão dos garotos da cidade de Rimini, também durante a Segunda Guerra. Eles vêem com os olhos, lambem a testa; em uma cena incrível, um dos garotos tenta alguma coisa num cinema vazio.
Em tempo: clique aqui para ver a letra de "Mrs. Robinson"

sexta-feira, agosto 04, 2006

Short Cuts

Durante o tempo em que não atualizei esse blog, pensei várias vezes em cancelá-lo. Sempre tenho vontade de escrever, mas falata o tempo para escrever do jeito que eu quero: aqueles posts grandes, com ambição analítica... Resolvi continuar, mas vou mudar o formato. Escrevo menos, em flashes, uma vez que minha capacidade "analítica" é superficial e acabo produzindo mastodontes sem nenhuma consistência. Agora, vamos às coisas sobre as quais eu quis comentar nesse intervalo:
>>> Os Olhos Sem Rosto, de Georges Franju, é um grande filme. Suspense clínico, surpreendentemente gráfico para a época que foi feito, traz as marcas que eu costumo identificar nos exemplares franceses do gênero, seja literatura ou cinema: as mortes difíceis, por armas brancas ou contusão - nunca vemos pistolas ou revólveres; as pessoas sangram, morrem penosamente; o clima de bruma, nebuloso, por oposição ao sol californiano. Perturbadora a precisão do filme: um médico retira o rosto de mulheres dopadas para fazer um transplante na sua filha, que tem queimaduras graves devido a um acidente de carro. Franju nos ganha pela perversidade da situação. Todo mundo fica indefeso diante de um médico, que se for um louco como é o caso, pode fazer o que quiser. Tudo é muito branco; e a música de Maurice Jarre, tétrica.

>>> Alida Valli, que sempre achei uma das mais belas mulheres da história, está desglamurizada em Os Olhos Sem Rosto. Desse jeito, é claro que ela não bate a Garbo (copm quem era comparado), e provavelmente não bateria mesmo nos seus melhores momentos. Garbo, como dizia Vinicius de Moraes, era uma mulher-orquídea. Apesar disso, continuo a preferir Valli, que não faz a vítima chata. Seuis papéis são sempre arriscados, interessantes, complexos. Como mulher, é terrena, sensual, enquanto Garbo é divina demais. Por falar nisso, também vi Alida Valli por esses dias em La Luna, de Bertolucci, já velha, mas bela.
>>> Eu havia comentado em um post anterior que não conhecia muito o cinema de Bertolucci. Pois bem: vi três filmes dele, e o que mais gostei foi com certeza Assédio, de 99. Uma obra-prima de romantismo e delicadeza, sempre valorizando o silêncio, a capacidade de dizer tudo com o olhar, criando climas intensos só com a presença de dois personagens numa sala. Ajuda muito ter Thandie Newton, linda e sexy. Outra coisa: como Bertolucci é bem observador... Assédio nem precisava, mas é uma excelente visão do mundo globalizado. A Roma onde se passa o filme é uma cidade de expatriados, com vários idiomas. A sensação de ser estrangeiro acentua a solidão, fragiliza e torna os personagens vulneráveis - para o amor, no caso.

>>> Dois colegas meus viram filmes diferentes, mas na verdade viram a mesma coisa. O Poderoso Chefão é Rocco e Seus Irmãos. Trata-se de dois dos filmes mais eloquentes em termos de narrativa tradicional na história do cinema. São extremamente literários, com grandes roteiros, e fazem como poucos o retrato da desintegração da família com tintas épicas. São épicos sem grandes heróis, vilões e conquistas. Enfim, épicos humanos, épicos da gente.
>>> Eu havia prometido um comentário sobre Páginas da Vida, mas não estou assistindo.

>>> Música na minha cabeça:

Fico esperando

um minutinho

mesmo que seja

só pra ganhar um beijinho

rapidamente

de "Eu Estou Apaixonado Por Você", de Helena dos santos, gravada por Roberto Carlos no 1966