Sou fã de Luiz Fernando Carvalho desde guri, quando me impressionei terrivelmente com aquele último capítulo de Renascer, o circo na cidade com a montagem paralela da morte de José Inocêncio. No início dessa década fez uma adaptação linda e viscontiana de Os Maias, cheia de momentos inesquecíveis, como a bem-me-quer/mal-me-quer no bosque - Ana Paula Arósio de cabelos tingidos, mas perfeita dentro de descrição de Eça, portadora de beleza láctea das louras.
No cinema, fez o melhor filme brasileiro da década e da retomada, Lavoura Arcaica - não canso de repetir Reichenbach: Lavoura é excessivo e imperfeito como toda obra-prima. O filme era uma experiência brutal, épica, três horas de assombro sensorial (a imagem tem cheiro, textura, o som explode nos ouvidos) de um diretor teatral, artificial, metafórico.
As Capitus de Luiz Fernando Carvalho
Depois disso, Hoje é Dia de Maria continuava o padrão de brilhantismo, mas a segunda parte já trazia o fantasma do entulhamento. Por vezes, ali, o excesso deixava de ser poético e quase fazia a série quebrar com o próprio peso. Veio A Pedra do Reino e o negócio descambou pra loucura irritante, embora ache que talvez goste desse radicalismo daqui a algum tempo.
Temos, enfim, Capitu, adaptação de Machado que eu jurava que daria errado, pela profanação do original pela teatralidade. Ledo e grave engano. O cara se afasta em tom do escritor e perde a responsabilidade de lhe ser fiel. Embora ainda o seja no diálogo, sua encenação onírica, operística, reconstrói o romance de maneira totalmente nova.
Carvalho cravou a perfeição desde que Capitu risca uma linha no chão para Bentinho andar, e não deixou cair a bola. Ele pode ser acusado de vencer pela catarse (como se isso fosse negativo), mas seu tratamento tangencial de Machado só o ajuda a permancer na história. Fez uma adaptação reinterpretativa, com assinatura própria, capaz de marcar as próprias impressões no espectador, em vez de fazer imagens-apoio para a lembrança do livro. Um show absoluto, inacreditável. Bravo.
Um comentário:
Uma beleza de reinterpretação e nova leitura de uma obra consagrada. Gostei de ler seu comentário, mostra que parece ser possível o elo entre distintas linguagens.
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