sexta-feira, dezembro 12, 2008

Para atar as pontas da vida

Eu estava deixando Capitu de lado por aqui, porque sai um textinho meu no domingo, na Revista da TV, sobre essa coisa acachapante e destruidora que a Globo tá pondo no ar essa semana, mas não dá pra ficar calado.

Sou fã de Luiz Fernando Carvalho desde guri, quando me impressionei terrivelmente com aquele último capítulo de Renascer, o circo na cidade com a montagem paralela da morte de José Inocêncio. No início dessa década fez uma adaptação linda e viscontiana de Os Maias, cheia de momentos inesquecíveis, como a bem-me-quer/mal-me-quer no bosque - Ana Paula Arósio de cabelos tingidos, mas perfeita dentro de descrição de Eça, portadora de beleza láctea das louras.

No cinema, fez o melhor filme brasileiro da década e da retomada, Lavoura Arcaica - não canso de repetir Reichenbach: Lavoura é excessivo e imperfeito como toda obra-prima. O filme era uma experiência brutal, épica, três horas de assombro sensorial (a imagem tem cheiro, textura, o som explode nos ouvidos) de um diretor teatral, artificial, metafórico.



As Capitus de Luiz Fernando Carvalho

Depois disso, Hoje é Dia de Maria continuava o padrão de brilhantismo, mas a segunda parte já trazia o fantasma do entulhamento. Por vezes, ali, o excesso deixava de ser poético e quase fazia a série quebrar com o próprio peso. Veio A Pedra do Reino e o negócio descambou pra loucura irritante, embora ache que talvez goste desse radicalismo daqui a algum tempo.

Temos, enfim, Capitu, adaptação de Machado que eu jurava que daria errado, pela profanação do original pela teatralidade. Ledo e grave engano. O cara se afasta em tom do escritor e perde a responsabilidade de lhe ser fiel. Embora ainda o seja no diálogo, sua encenação onírica, operística, reconstrói o romance de maneira totalmente nova.

Carvalho cravou a perfeição desde que Capitu risca uma linha no chão para Bentinho andar, e não deixou cair a bola. Ele pode ser acusado de vencer pela catarse (como se isso fosse negativo), mas seu tratamento tangencial de Machado só o ajuda a permancer na história. Fez uma adaptação reinterpretativa, com assinatura própria, capaz de marcar as próprias impressões no espectador, em vez de fazer imagens-apoio para a lembrança do livro. Um show absoluto, inacreditável. Bravo.

Um comentário:

Stela Borges de Almeida disse...

Uma beleza de reinterpretação e nova leitura de uma obra consagrada. Gostei de ler seu comentário, mostra que parece ser possível o elo entre distintas linguagens.