Bom, nada melhor que estar errado. Entre Les Murs é praticamente a realidade na cara da gente, cheia de complexidades, nuances, detalhes mínimos. Ser "real" e bom não é melhor que ser "artificial" e bom, mas é muito mais raro: tentar fazer do cinema espelho da vida por reprodução e semelhança é tarefa árdua, hercúlea, impossível.
Para ter sucesso na empreitada, Cantet se restringe a um único ambiente, a sala de aula, e aposta todas as fichas no diálogo entre seus não-atores, que interpretam a si mesmos. A realidade vem 100% através das palavras, e a ficção "baseada em fatos reais" vira documentário. Não, não vira, mas o artifício é muito bem logrado. O que me leva a pensar que cinema é sempre e somente artifício - transparente ou não. Enfim, o filme é nota 10. Melhor do ano?
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Há de se ter um pouco de paciência com Sempre Bela, a "sequência" (bote aspas aí) de A Bela da Tarde, de Luis Buñuel, assinada pelo centenário cineasta português Manoel de Oliveira. Não é difícil se irritar com as longas conversas de Michel Piccoli com o bartender sobre os eventos ocorridos há 40 anos no filme anterior, uma obra que, aliás, parece ser à prova de qualquer tempo.
Os diálogos especulam e criam certezas sobre o que Buñuel insinua ou mesmo não faz questão nenhuma de entender, e boa parte das palavras desse Sempre Bela são dedicadas a traçar o perfil psicológico de uma mulher que estava além desse tipo de coisa. Coisa tão inútil quando defender um paper sobre o filme num simpósio sobre perversões sexuais.
Deneuve não voltou, ainda bem, e é substituída por Bulle Ogier sem seu brilho etéreo e glacial. No final da curta projeção, o filme interrompe as elucubrações e acaba bruscamente. Parece que Oliveira não estava interessado em revelar nada sobre a obra original - mas por que, então, tanta conversa jogada fora sobre a personalidade e as motivações de Séverine? Eu não consigo admirar ver Oliveira filmar tinta secando, mas não posso negar que, de alguma maneira, esse aparenmte equívoco tem seu encanto.
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Quem lê esse blog regularmente sabe de duas coisas: a) detestei A Troca e b) sou um admirador do cinema de Clint Eastwood. Ao ver Gran Torino, sou lembrado de outra verdade. Clint jamais erra duas vezes seguidas e o filme novo tem tudo o que faltava ao anterior. Mais precisamente, aquele senso perfeito de tempo e narração que caracteriza a obra do diretor, uma escrita seca e límpida que eleva clichês a um patamar superior, muitas vezes trágico.
Gran Torino é, então, da mesma estirpe de Menina de Ouro e As Pontes de Madison, filmes cujo mérito é sobretudo do trabalho de direção de Eastwood, um (bom) Hemingway das câmeras e das moviolas, que pega esse aparente história de amizade e transformação e vira de cabeça para baixo, tirando dali a velha preocupação com as máculas deixadas pelo convívio com a violência caracaterísticas a seus personagens.
O poder arrasador de Gran Torino não está em sua história ou moral, mas apenas na sua manifestação cinematográfica, num terror quase técnico. Os abismos estão no indizível e intransmutável em palavras, em cenas e sequências que são encadeadas de modo a sugerir que o filme segue rumo a algo que não pode ser bom, sem que essa sensação venha do texto ou do diálogos. Quando está em seus grandes dias, Clint consegue conferir uma gravidade verdadeira, terrível e inigualável a tudo que filma, e isso é um elogio.
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Já o elogio que sobra para O Casamento de Rachel não é grave, mas "bonzinho". De novo as boas intenções: o filme tem coração aberto e vontade de ser humano, mas o material aqui simplesmente tem voltagem zero, inferior até mesmo a algumas novelas. Irmãs brigam, gritam, se abraçam, e o final tenta nos convencer de que essa coisa com câmera na mão chega de alguma maneira perto de John Cassavetes, mas só com muito boa vontade para embarcar na comparação. Anne Hathaway é muito boa, mas mantenho meu Oscar pessoal para a Meryl Streep de Dúvida.
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