sexta-feira, junho 05, 2009

Apresentação de personagens

Ida:

A única jaça na beleza de Ida era o comprimento excessivo dos braços, graças ao qual, talvez, ela derrotara o ex-marido tantas vezes na mesa de bilhar, jogo em que ela manifestava uma superioridade que era, em sua opinião, uma das causas do ressentimento manifestado por Beale através de atos de violência física. O bilhar era a maior realização de Ida, e a primeira distinção mencionada sempre que seu nome vinha à baila. Fora algumas linhas muito alongadas, tudo que poderia ser grande, e que embelezava muitas mulheres por sê-lo, nela era, com uma única exceção, mencionado e admirado por sua pequenez. Esta exceção eram os olhos, que, embora medíocres quanto ao tamanho, conseguiam extravasar as modestas medidas naturais; sua boca, por outro lado, era quase imperceptível, e com freqüência faziam-se apostas referentes à medida de sua cintura. Era uma pessoa que, quando saía - e saía sempre - causava, onde quer que fosse, a impressão de ser vista com freqüência, ou mesmo de abusar do direito de ser vista, de modo que, nos lugares habituais, seria um tanto vulgar admirá-la abertamente. Apenas os estranhos o faziam; porém estes, para o deleite dos habituados, faziam-no com ênfase: era uma manifestação inevitável da condição de forasteiro.

Beale:


Beale Farange dispunha de adornos naturais, uma espécie de fantasia composta de uma barba loura e abundante, brunida como um peitoral dourado, e dentes sempre reluzentes, que os longos bigodes eram penteados de modo a não ocultar e que lhe davam, em todas as situações possíveis, um ar de alegria de viver. Na juventude fora encaminhado para a diplomacia, e estivera temporariamente vinculado, sem salário, a uma missão diplomática, circunstância essa que lhe permitia dizer, com freqüência: "No tempo em que eu estava no Oriente...". Porém a história contemporânea, ao que parecia, não precisara de seus préstimos, passara por ele célere e deixara-o perpetuamente em Piccadilly. Todos sabiam o quanto ele tinha - apenas duas mil e quinhentas libras. À pobre Ida, que já dera cabo de tudo que tinha, agora só restavam a carruagem e o tio paralítico. Este velho desgraçado, como costumava ser qualificado, era supostamente dono de uma fortuna considerável. O futuro da menina estava garantido, graças a uma herança deixada por uma madrinha astuta, uma falecida tia de Beale: os pais só tinham acesso aos rendimentos.


Estou aqui roubando a ideia de Gabi, e seus trechos da semana / quinzena / mês. Os dois trechos acima estão no mesmo parágrafo, logo nas primeiras páginas de Pelos Olhos de Maisie, de Henry James. Tradução de Paulo Henriques Britto.

Um comentário:

Andreia Santana disse...

Adoro a construção dos personagens de Henry James. Literariamente perfeitos, tão visiveis que dá para tocar. Boa leitura!