sábado, maio 04, 2013

Mildred Pierce / Top of the Lake

Bem recentemente vi duas incursões de cineastas consagrados no formato minissérie de televisão, com resultados intrigantemente opostos, espelhados. Todd Haynes, em Mildred Pierce, usa um dos clássicos do dramalhão, a história da mãe coragem e da filha esnobe que dela tem vergonha, mas seu tratamento é impecavelmente discreto e cerebral, infinitamente delicado, coisa de ourivesaria, quase o produto de um Visconti tardio, gelado.

Em Top of the Lake, apesar de trilhar o caminho da história de investigação policial, Jane Campion parece estar o tempo todo próximo de um thriller de arte, com uma trabalho primoroso de clima e ambientação e, principalmente, uma obsessão pela permanência da violência, sobretudo da violência contra a mulher. Para Campion a Nova Zelândia é quase um faroeste onde as mulheres se defendem das dores do mundo apelando à irmandade.

Pena que para um projeto de ambições aparentemente bem mais complexas que o melô de Haynes, Top of The Lake imploda tenebrosamente no episódio final justamente por sua concessão a armadilhas da carochinha envolvendo questões de paternidade, e, pior, a completa incapacidade de lidar com as consequências dessa virada, a ponto de ter de recuar diante desse incômodo numa cena barata de novela das sete, como se se tratasse de, lembram?, O Mapa da Mina.

No final, em comparação, o dramalhão de Haynes é muito mais incômodo, difícil, desgastante, muito provavelmente porque Haynes é alguém que entende que é preciso dominar muito mais a forma e que essa qualidade de tratamento, no seu caso, é que leva bem mais longe as possibilidades contidas numa historinha banal como a de Mildred Pierce. Campion, por sua vez, parece ter muito mais ideias do que saber o que fazer com elas, e essa inabilidade de escrever um roteiro torna o seu projeto autoral algo realmente vulgar no fim das contas.

Fernando Meirelles disse dia desses que a televisão é o melhor lugar hoje para inovação, mas acho que essas duas experiências me mostram o contrário. TV é o abrigo da caretice de alta qualidade; o tempo a mais não acentua a possibilidade de experimentação, e sim o refinamento do storytelling e da sua excelência formal e clássica. Enfim, é para quem entende de gênero, escrita e execução, e não para quem privilegia o audiovisual como expressão de sensibilidade crua, com o perdão da dureza dessa oposição.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótimo texto,parabéns. Ainda não conferi as séries mas a vontade aumentou agora.

Abs
joão