A verdade é que estou cansado de ironia. Não por intolerância e sim por excesso de tentativas em tudo o que quer ser arte. Se Wes Anderson filma com uma obsessão de cores apenas para ser triste, por que não ser apenas triste e pronto? Por que construir camadas de sentido apenas para parecer despistar que vê. A ironia de dizer uma coisa para significar outra nem sempre é enriquecimento. Às vezes é só entulho.
Por isso que eu só consigo gostar de Moonrise Kingdom por cima, na sua sessão da tarde de nouvelle vague mirim (copyright Pamplona) moderadamente divertida, sem ficar buscando implicações terceiras. Não acredito nessa tristeza de brechó; nunca acreditei nessa melancolia de boutique.
Se esse filme me diz alguma coisa, talvez seja que Anderson talvez devesse filmar o que pensa, sem subterfúgios, ou, inversamente, talvez tomar uns antidepressivos (antimelancólicos?) para adequar o seu temperamento à graça pura que seu cinema é capaz de ter.
domingo, fevereiro 24, 2013
sábado, fevereiro 16, 2013
Lincoln
Por que as pessoas, quando partem para elogiar um filme de Spielberg, destacam a sua insuspeita sobriedade, a sua não-concessão ao melodrama? O melodrama é uma nobre arte, senhores, e alguns dos melhores momentos da carreira de Spielberg (A Cor Púrpura, Inteligência Artificial) passam justamente pela capacidade de levar esse gênero ao limite da emoção, de forma verdadeira e impactante.
O real problema spielberguiano é a infantilização de certos temas, e não a música alta. Ele ter segurado a mão em Lincoln não é exatamente um mérito. A qualidade do filme é bem outra, e bem spielberguiana, aliás: tirar entretenimento de pedra, como desse filme verboso, falado e provavelmente árido na mão de qualquer outra pessoa. É de embasbacar como o filme é leve, fluido, ágil. Se era realmente nojento e terrível transformar o holocausto num parque de diversões, como em A Lista de Schindler, aqui, em Lincoln, seu tratamento instigante e divertido não ofende. Não há nada de mau em flagrar um momento de real heroísmo na História com as devidas cores de emoção que esse heroísmo comporta.
Li por aí também um certo incômodo com a santificação de Lincoln no filme, e eu discordo disso completamente. Spielberg realmente não me parece filmar ele como lenda, como ícone; seu tratamento do personagem é bem terreno, mundano, pé no chão. O extrafilme da vida de Lincoln, o lado obscuro da sua vida, etc, não são uma questão. Spielberg registra um aspecto de Lincoln e dentro dessa história particular do Lincoln que ele mostra, o personagem parece muito bem balanceado, real, humano, e não um deus.
Daniel Day-Lewis é um ás nessa composição, enchendo o personagem por dentro de humor, classe, convicções, de um temperamento completo, e não apenas vestindo a carcaça, como Meryl Streep fez ano passado com sua Margaret Thatcher. O melhor ator em cena, no entanto, e pra variar, é Tommy Lee Jones.
PS: Esse filme dá uma boa sessão dupla com No, de Pablo Larraín, indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Ambos os filmes falam de concessões para a conquista de objetivos bem maiores, ou seja, a base do relacionamento político.
O real problema spielberguiano é a infantilização de certos temas, e não a música alta. Ele ter segurado a mão em Lincoln não é exatamente um mérito. A qualidade do filme é bem outra, e bem spielberguiana, aliás: tirar entretenimento de pedra, como desse filme verboso, falado e provavelmente árido na mão de qualquer outra pessoa. É de embasbacar como o filme é leve, fluido, ágil. Se era realmente nojento e terrível transformar o holocausto num parque de diversões, como em A Lista de Schindler, aqui, em Lincoln, seu tratamento instigante e divertido não ofende. Não há nada de mau em flagrar um momento de real heroísmo na História com as devidas cores de emoção que esse heroísmo comporta.
Li por aí também um certo incômodo com a santificação de Lincoln no filme, e eu discordo disso completamente. Spielberg realmente não me parece filmar ele como lenda, como ícone; seu tratamento do personagem é bem terreno, mundano, pé no chão. O extrafilme da vida de Lincoln, o lado obscuro da sua vida, etc, não são uma questão. Spielberg registra um aspecto de Lincoln e dentro dessa história particular do Lincoln que ele mostra, o personagem parece muito bem balanceado, real, humano, e não um deus.
Daniel Day-Lewis é um ás nessa composição, enchendo o personagem por dentro de humor, classe, convicções, de um temperamento completo, e não apenas vestindo a carcaça, como Meryl Streep fez ano passado com sua Margaret Thatcher. O melhor ator em cena, no entanto, e pra variar, é Tommy Lee Jones.
PS: Esse filme dá uma boa sessão dupla com No, de Pablo Larraín, indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Ambos os filmes falam de concessões para a conquista de objetivos bem maiores, ou seja, a base do relacionamento político.
sexta-feira, fevereiro 08, 2013
Os Miseráveis
Não entendo a
reclamação pelos close-ups extremos usados por Tom Hooper nos
números musicais de Os Miseráveis. Acho que são completamente
justificados, e não apenas eficazes no todo, mas muito fortes nos
grandes números do espetáculo. Os Miseráveis é daqueles musicais
gigantescos na voz mas contido nos movimentos, sem cenas de dança,
todo composto a partir de baladas, então as canções só ganham
força se os atores mostrarem expressividade, e chegar a câmera bem
perto foi uma ótima ideia.
Além disso, os closes
realmente não me parecem excessivos. Hooper tem essa mania de fazer
planos contraintuitivos (aka tortos), mas eles funcionam aqui,
especialmente porque às vezes ele alterna entre três ou mais
ângulos de close. Há uma dinâmica bem jogada com os altos e baixos
da música, um andamento bem pareado entre câmera e canção. Quando
ele abre a imagem, também funciona, especialmente nos movimentos, na
correria. Ele traz o musical pro nível do chão, da testemunha,
mesmo quando a gente olha e diz “que plano feio”. É feio, mas é
funcional.
Claro que a opção
pelo elenco cantar ao vivo e essa emoção num nível sempre alto (um
problema da música, sobretudo) banalizam os grandes momentos, e às
vezes esvaziam o sentimento por falta de contraste, tornam este
sentimento apenas uma referência apenas musical, e não
dramatúrgica. No entanto, para cada número ruim de Russell Crowe
(muito mal escalado), o filme tem na manga momentos arrebatadores de
melodrama pra te trazer de volta. Afinal, que raio de filme tem três
showstoppers tão incríveis como I Dreamed a Dream, On My Own e
Empty Chairs and Empty Tables?
Esses momentos não
seriam tâo fortes, claro, não fosse o elenco. Anne Hathaway vai
ganhar merecidamente o seu Oscar, mas pena que Samantha Barks e Eddie
Redmayne (que surpresa, excelente cantor) tenham sido eclipsados.
Eles desfibrilam o coração do filme toda vez que ele ameaça parar,
afogado em tanto chororô. De repente tudo soa autêntico novamente,
forte, emocional de verdade e não por tabela. É um bom filme, e
nessa escala Oscar é bem melhor que embustes autorais como Amour,
produtos vulgares de prestígio como Argo ou, horror dos horrores,
comédias nulas como O Lado Bom da Vida. Aliás, eu diria mesmo que a
primeira meia hora é espetacular.
terça-feira, fevereiro 05, 2013
The Master
Três filmes depois já
dá pra perceber, mas quando Paul Thomas Anderson fez chover sapos,
ele estava esgotando uma vertente de criatividade e partindo com
todas as forças na direção contrária. Nos seus primeiros filmes
ele explorava o que havia em comum entre um grupo imenso de
personagens, desenhando com todas as forças de texto e imagem uma
lógica para unir essas pessoas: a fraternidade, em Boogie Nights;
Deus, na falta de palavra melhor, em Magnólia.
Seus três filmes
seguintes são retratos de indivíduos sem qualquer chão, apoio ou
muleta de sustentação, perdidos no mundo. Em Embriagado de Amor há
ainda uma redenção via amor romântico, mas depois disso, nada. The
Master, agora, parece ser o cume de um caos absoluto, trazendo essa
falta de chão pro nível do próprio cinema, e não apenas na
trajetória dos seus personagens. Faz tempo que não via um filme
americano tão desconjuntado, desarticulado, desprovido de causas e
efeitos, sem centro, sem estrutura.
O que temos, em resumo,
é uma vida pontuada em alguns trechos, como se PTA abandonasse o
personagem toda vez que consegue iluminar algum aspecto de sua
personalidade, mesmo que as situações nas quais ele esteja
envolvido não se tenham resolvido. Não é um filme escravo do
roteiro, ou mesmo das pessoas, mas do que interessa ao diretor
observar nestas pessoas, o que ele faz sem muito rigor, livre para
abortar suas tentativas quando elas não vão muito adiante.
Qualquer tentativa de
desenhar um plot a partir desse filme é inútil. Os fragmentos não
se colam, não há um quebra-cabeça a montar, um twist lancinante no
fim para nos fazer reconsiderar tudo. A cada elipse, a cada
anticlímax, o diretor acentua a mudança de seus próprios
interesses como cineasta, de alguém que parecia querer o controle de
tudo via texto para um autor muito mais entusiasmado com a
experimentação e com as possibilidades de aproximar essa
experimentação do seu atual ponto de vista sobre a vida, instável,
insegura.
sexta-feira, fevereiro 01, 2013
De amor e tortura
Cada dia acho mais
indecente essa indicação de Michael Haneke ao Oscar de direção,
sobretudo pela esnobada feia em Kathryn Bigelow. Os filmes funcionam
de moda diametralmente oposta.
Amour realmente
impressiona pela força de projetar mal-estar, pela capacidade de
tirar muito cinema de um dueto de grandes atores em um apartamento,
mas depois que baixa a poeira só sobra uma violência gratuita
contra as pessoas, uma histeria no meio daquele rigor todo, uma
inflada legal nos sofrimentos (o pesadelo, o tapa, a agonia da Riva
quase que saboreada), enfim, um sentimento geral de desonestidade
humana.
Curiosamente, me
parece o primeiro filme dele completamente despolitizado, e se seus
filmes de tese vez por outra vergavam sob o peso da sua
lição de moral (o mundo é uma merda), às vezes ele alcançava
grandes insights no nível do detalhe das relações humanas
inscritas nesse panorama pessimista (tô falando de Caché, Tempos de
Lobo, 71 Fragmentos).
(Em A Professora de
Piano, também aparentemente menos político, há uma complexidade
daquele relacionamento entre os personagens de Huppert e Magimel que,
apesar de todo o horror presente no filme todo como um todo, chegava,
ali sim, perto de um amor à Truffaut, doente e obsessivo, mas ainda
assim amor.)
A gente reclamava de
suas teses, mas sem essa coluna política, o que resta de Amour é
uma espiral de horror perfeitamente calibrada para a náusea: os
artifícios se evidenciam, chamam a atenção para si, isolados
naquele apartamento laboratório, em que ratinhos recebem doses de
veneno cada vez mais fortes.
Que ele faz isso com
muita habilidade, ok, mas talvez as minhas expectativas de cinema
sejam maiores do que exercícios de estilo miserabilistas. (Dica:
esse filme pode ser outra coisa em cinema, mas sua mentalidade não
passa muito longe de, por exemplo, Biutiful, de Alejandro Gonzalez
Iñarritu. Haneke desceu bem baixo).
A Hora Mais Escura, ao
contrário, parte de um desconcerto violento pra decantar de maneira
extraordinária como o grande filme que é. Bigelow filma a caçada a
Osama Bin Laden quase que como uma repórter, numa recusa
impressionante de julgamentos mesmo enquanto filma todo o aparato dos
US of A cruzando com convicção a linha do humanamente aceitável em
nome de um acerto de contas pelo 11 de Setembro.
As cenas de tortura são
mesmo terríveis, e, instintivamente, ficamos esperando que Bigelow
nos pegue pela mão e condene o que ela registra. Ela se recusa, a ponto de que se possa especular se ela está a favor daquilo.
Mais tarde, na reta final da caçada a Osama, Jessica Chastain (grande, grande atuação) afirma numa cena reveladora que, por ela, a invasão à casa do líder
da Al Qaeda não se realizaria: preferia jogar uma bomba. Toda a
meia hora final é a crônica de um assassinato sem processo, mas não
há uma linha de diálogo levantando qualquer questão.
Seria uma omissão, ou
mesmo uma conivência de Bigelow com tudo o que ela documenta? Eu
acho que não. Acho que, se estou pensando no filme até agora, é
porque ela usa o silêncio não para se esquivar de questões, mas
para problematizá-las de maneira ainda mais profunda. A reflexão
não vem embalada para presente, e é isso que dá a A Hora Mais
Escura o seu longo alcance. Em Amor, dá pra parar de pensar já na
cena inicial.
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