domingo, fevereiro 24, 2013

Moonrise Kingdom

A verdade é que estou cansado de ironia. Não por intolerância e sim por excesso de tentativas em tudo o que quer ser arte. Se Wes Anderson filma com uma obsessão de cores apenas para ser triste, por que não ser apenas triste e pronto? Por que construir camadas de sentido apenas para parecer despistar que vê. A ironia de dizer uma coisa para significar outra nem sempre é enriquecimento. Às vezes é só entulho.

Por isso que eu só consigo gostar de Moonrise Kingdom por cima, na sua sessão da tarde de nouvelle vague mirim (copyright Pamplona) moderadamente divertida, sem ficar buscando implicações terceiras. Não acredito nessa tristeza de brechó; nunca acreditei nessa melancolia de boutique.

Se esse filme me diz alguma coisa, talvez seja que Anderson talvez devesse filmar o que pensa, sem subterfúgios, ou, inversamente, talvez tomar uns antidepressivos (antimelancólicos?) para adequar o seu temperamento à graça pura que seu cinema é capaz de ter.

sábado, fevereiro 16, 2013

Lincoln

Por que as pessoas, quando partem para elogiar um filme de Spielberg, destacam a sua insuspeita sobriedade, a sua não-concessão ao melodrama? O melodrama é uma nobre arte, senhores, e alguns dos melhores momentos da carreira de Spielberg (A Cor Púrpura, Inteligência Artificial) passam justamente pela capacidade de levar esse gênero ao limite da emoção, de forma verdadeira e impactante.

O real problema spielberguiano é a infantilização de certos temas, e não a música alta. Ele ter segurado a mão em Lincoln não é exatamente um mérito. A qualidade do filme é bem outra, e bem spielberguiana, aliás: tirar entretenimento de pedra, como desse filme verboso, falado e provavelmente árido na mão de qualquer outra pessoa. É de embasbacar como o filme é leve, fluido, ágil. Se era realmente nojento e terrível transformar o holocausto num parque de diversões, como em A Lista de Schindler, aqui, em Lincoln, seu tratamento instigante e divertido não ofende. Não há nada de mau em flagrar um momento de real heroísmo na História com as devidas cores de emoção que esse heroísmo comporta.

Li por aí também um certo incômodo com a santificação de Lincoln no filme, e eu discordo disso completamente. Spielberg realmente não me parece filmar ele como lenda, como ícone; seu tratamento do personagem é bem terreno, mundano, pé no chão. O extrafilme da vida de Lincoln, o lado obscuro da sua vida, etc, não são uma questão. Spielberg registra um aspecto de Lincoln e dentro dessa história particular do Lincoln que ele mostra, o personagem parece muito bem balanceado, real, humano, e não um deus.

Daniel Day-Lewis é um ás nessa composição, enchendo o personagem por dentro de humor, classe, convicções, de um temperamento completo, e não apenas vestindo a carcaça, como Meryl Streep fez ano passado com sua Margaret Thatcher. O melhor ator em cena, no entanto, e pra variar, é Tommy Lee Jones.

PS: Esse filme dá uma boa sessão dupla com No, de Pablo Larraín, indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Ambos os filmes falam de concessões para a conquista de objetivos bem maiores, ou seja, a base do relacionamento político.

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Os Miseráveis


Não entendo a reclamação pelos close-ups extremos usados por Tom Hooper nos números musicais de Os Miseráveis. Acho que são completamente justificados, e não apenas eficazes no todo, mas muito fortes nos grandes números do espetáculo. Os Miseráveis é daqueles musicais gigantescos na voz mas contido nos movimentos, sem cenas de dança, todo composto a partir de baladas, então as canções só ganham força se os atores mostrarem expressividade, e chegar a câmera bem perto foi uma ótima ideia.

Além disso, os closes realmente não me parecem excessivos. Hooper tem essa mania de fazer planos contraintuitivos (aka tortos), mas eles funcionam aqui, especialmente porque às vezes ele alterna entre três ou mais ângulos de close. Há uma dinâmica bem jogada com os altos e baixos da música, um andamento bem pareado entre câmera e canção. Quando ele abre a imagem, também funciona, especialmente nos movimentos, na correria. Ele traz o musical pro nível do chão, da testemunha, mesmo quando a gente olha e diz “que plano feio”. É feio, mas é funcional.

Claro que a opção pelo elenco cantar ao vivo e essa emoção num nível sempre alto (um problema da música, sobretudo) banalizam os grandes momentos, e às vezes esvaziam o sentimento por falta de contraste, tornam este sentimento apenas uma referência apenas musical, e não dramatúrgica. No entanto, para cada número ruim de Russell Crowe (muito mal escalado), o filme tem na manga momentos arrebatadores de melodrama pra te trazer de volta. Afinal, que raio de filme tem três showstoppers tão incríveis como I Dreamed a Dream, On My Own e Empty Chairs and Empty Tables?

Esses momentos não seriam tâo fortes, claro, não fosse o elenco. Anne Hathaway vai ganhar merecidamente o seu Oscar, mas pena que Samantha Barks e Eddie Redmayne (que surpresa, excelente cantor) tenham sido eclipsados. Eles desfibrilam o coração do filme toda vez que ele ameaça parar, afogado em tanto chororô. De repente tudo soa autêntico novamente, forte, emocional de verdade e não por tabela. É um bom filme, e nessa escala Oscar é bem melhor que embustes autorais como Amour, produtos vulgares de prestígio como Argo ou, horror dos horrores, comédias nulas como O Lado Bom da Vida. Aliás, eu diria mesmo que a primeira meia hora é espetacular.  

terça-feira, fevereiro 05, 2013

The Master


Três filmes depois já dá pra perceber, mas quando Paul Thomas Anderson fez chover sapos, ele estava esgotando uma vertente de criatividade e partindo com todas as forças na direção contrária. Nos seus primeiros filmes ele explorava o que havia em comum entre um grupo imenso de personagens, desenhando com todas as forças de texto e imagem uma lógica para unir essas pessoas: a fraternidade, em Boogie Nights; Deus, na falta de palavra melhor, em Magnólia.

Seus três filmes seguintes são retratos de indivíduos sem qualquer chão, apoio ou muleta de sustentação, perdidos no mundo. Em Embriagado de Amor há ainda uma redenção via amor romântico, mas depois disso, nada. The Master, agora, parece ser o cume de um caos absoluto, trazendo essa falta de chão pro nível do próprio cinema, e não apenas na trajetória dos seus personagens. Faz tempo que não via um filme americano tão desconjuntado, desarticulado, desprovido de causas e efeitos, sem centro, sem estrutura.

O que temos, em resumo, é uma vida pontuada em alguns trechos, como se PTA abandonasse o personagem toda vez que consegue iluminar algum aspecto de sua personalidade, mesmo que as situações nas quais ele esteja envolvido não se tenham resolvido. Não é um filme escravo do roteiro, ou mesmo das pessoas, mas do que interessa ao diretor observar nestas pessoas, o que ele faz sem muito rigor, livre para abortar suas tentativas quando elas não vão muito adiante.

Qualquer tentativa de desenhar um plot a partir desse filme é inútil. Os fragmentos não se colam, não há um quebra-cabeça a montar, um twist lancinante no fim para nos fazer reconsiderar tudo. A cada elipse, a cada anticlímax, o diretor acentua a mudança de seus próprios interesses como cineasta, de alguém que parecia querer o controle de tudo via texto para um autor muito mais entusiasmado com a experimentação e com as possibilidades de aproximar essa experimentação do seu atual ponto de vista sobre a vida, instável, insegura.

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

De amor e tortura


Cada dia acho mais indecente essa indicação de Michael Haneke ao Oscar de direção, sobretudo pela esnobada feia em Kathryn Bigelow. Os filmes funcionam de moda diametralmente oposta.

Amour realmente impressiona pela força de projetar mal-estar, pela capacidade de tirar muito cinema de um dueto de grandes atores em um apartamento, mas depois que baixa a poeira só sobra uma violência gratuita contra as pessoas, uma histeria no meio daquele rigor todo, uma inflada legal nos sofrimentos (o pesadelo, o tapa, a agonia da Riva quase que saboreada), enfim, um sentimento geral de desonestidade humana.

Curiosamente, me parece o primeiro filme dele completamente despolitizado, e se seus filmes de tese vez por outra vergavam sob o peso da sua lição de moral (o mundo é uma merda), às vezes ele alcançava grandes insights no nível do detalhe das relações humanas inscritas nesse panorama pessimista (tô falando de Caché, Tempos de Lobo, 71 Fragmentos).

(Em A Professora de Piano, também aparentemente menos político, há uma complexidade daquele relacionamento entre os personagens de Huppert e Magimel que, apesar de todo o horror presente no filme todo como um todo, chegava, ali sim, perto de um amor à Truffaut, doente e obsessivo, mas ainda assim amor.)

A gente reclamava de suas teses, mas sem essa coluna política, o que resta de Amour é uma espiral de horror perfeitamente calibrada para a náusea: os artifícios se evidenciam, chamam a atenção para si, isolados naquele apartamento laboratório, em que ratinhos recebem doses de veneno cada vez mais fortes.

Que ele faz isso com muita habilidade, ok, mas talvez as minhas expectativas de cinema sejam maiores do que exercícios de estilo miserabilistas. (Dica: esse filme pode ser outra coisa em cinema, mas sua mentalidade não passa muito longe de, por exemplo, Biutiful, de Alejandro Gonzalez Iñarritu. Haneke desceu bem baixo).

A Hora Mais Escura, ao contrário, parte de um desconcerto violento pra decantar de maneira extraordinária como o grande filme que é. Bigelow filma a caçada a Osama Bin Laden quase que como uma repórter, numa recusa impressionante de julgamentos mesmo enquanto filma todo o aparato dos US of A cruzando com convicção a linha do humanamente aceitável em nome de um acerto de contas pelo 11 de Setembro.

As cenas de tortura são mesmo terríveis, e, instintivamente, ficamos esperando que Bigelow nos pegue pela mão e condene o que ela registra. Ela se recusa, a ponto de que se possa especular se ela está a favor daquilo. Mais tarde, na reta final da caçada a Osama, Jessica Chastain (grande, grande atuação) afirma numa cena reveladora que, por ela, a invasão à casa do líder da Al Qaeda não se realizaria: preferia jogar uma bomba. Toda a meia hora final é a crônica de um assassinato sem processo, mas não há uma linha de diálogo levantando qualquer questão.

Seria uma omissão, ou mesmo uma conivência de Bigelow com tudo o que ela documenta? Eu acho que não. Acho que, se estou pensando no filme até agora, é porque ela usa o silêncio não para se esquivar de questões, mas para problematizá-las de maneira ainda mais profunda. A reflexão não vem embalada para presente, e é isso que dá a A Hora Mais Escura o seu longo alcance. Em Amor, dá pra parar de pensar já na cena inicial.