(Antes de começar, um aviso: os comentários estão liberados para não-usuários do Blogger. Valeu, Tiago)
Você, de quem nunca estou distante
Não consigo lembrar de como era antes de conhecer você. Será que sempre fui como sou hoje? Lembro-me de estar perdido. Tenho certeza disso. Vagando. Indo de uma mulher para outra. Ficando, às vezes, apenas o tempo suficiente para compreender que a perplexidade delas era maior que a minha. Pelo menos, era o que parecia. Mas não me lembro de me sentir tão nervoso antes, tão desgastado. Eu as observava de uma certa distância, tomando banho de esponja em suas pias, raspando bolas negras com lâminas de barbear, movendo-se como rainhas em câmara lenta. Então, elas se tranformavam nas garotas de antigamente, com risadinhas nervosas e dobrando as pernas longas sob o corpo. O modo como andavam com passos macios com os saltos altos e depois sacudiam o cabelo como os cavalos agitam a cauda.
Mas de você, não guardo nenhuma distância. A cada movimento seu, sinto como se viajasse em sua pele. cada olhar seu para fora da janela é como se estivesse completamente sozinha e sonhando com outros tempos. Não adianta balançar meus braços, acenando. Agora está tudo ao contrário.
Shepard
Este é um dos contos de Sam Shepard em Cruzando o Paraíso, livro mencionado no antepenúltimo post. Não passa perto dos melhores, mas é curto suficiente para ser digitado. Além disso, dá pra ver nele algumas coisas de que gosto muito em Shepard. Para começar, esse ponto de vista masculino, meio perturbado por uma ou duas histórias de amor que já teve na vida - inesquecíveis, mas perdidas em algum lugar. Talvez algo truffautiano? Tem outro conto com o mesmo tipo de romantismo, muito bom, chamado Pele Fina; imagino que traduzido de Soft Skin, o mesmo título americano do atordoante Um Só Pecado, do diretor francês.
Aqui, ele parece no modo Roberto Carlos de escrita: a mesma coisa do amor perdido, de maneira clara, simples, talvez óbvia, mas muito efetiva - e RC é bem mais impactante. Ainda assim, esse cenário banheira e banho de esponja não deixa de me lembrar que Shepard escreveu Crônicas de Motel, o livro no qual Win Wenders se baseou para fazer Paris, Texas. O filme é a mediana perfeita no tempo entre O Indomado (1963) e Brokeback Mountain (2005) - histórias sobre tempo perdido no hostil Mid-West em ponto de vista completamente masculino e solitário, pós-faroeste. É esse o clima dos contos de Cruzando o Paraíso, discretamente lírico, cheio de histórias sobre pais e filhos, homens abandonados, mulheres que querem viver, quartos de hotel de beira de estrada.
Harry Dean Stanton em Paris, Texas
Agora um pouco de orelha: Sam Shepard nasceu em 1943, em Fort Sheridan, Illinois; dramaturgo já escreveu mais de 45 peças, tendo vencido o prêmio Pulitzer em 1979 por Buried Child. Foi indicado ao Oscar de melhor ator codjuvante por Os Eleitos, adaptação sem falhas da obra-prima de Tom Wolfe. Vive hoje com Jessica Lange, com quem tem dois filhos.
Moral da história: preciso ver urgentemente Estrela Solitária, de Win Wenders, atualmente em cartaz em alguma Sala de Arte. Shepard escreve e atua, no papel de um astro de faroeste que abandona um set de filmagem para se encontrar com um filho que não conhecia.
Um comentário:
Hé! De rien, pote!
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