sexta-feira, março 23, 2007

Sensibilidade e Bom Senso

Por acaso, acabei de achar em uma comunidade do Orkut uma transcrição portuguesa de Abadia de Northanger, romance de Jane Austen que nunca li por falta de acesso. A autora é genial – com tramas que não ficariam mal num livro de banca, ela destila imenso senso de percepção, traduzido em cada palavra. Cada escolha é precisa, não há equívoco. Resultado: a viagem rumo ao sempre inevitável final feliz é feita com prazer absoluto.

Dos quatro livros de Austen que li, meu preferido – e de quase todo mundo – é Orgulho e Preconceito. Tem boa adaptação pro cinema, embora não muito fiel. Keira Knightley e Matthew MacFayden parecem mais saídos de um romance bromteniano, só que sem o melodrama. O texto de Austen pródigo em observações em profundidade dos personagens vira uma excelente comédia chá com biscoito. É bom, mas Austen fazia muito mais. Dominava sua arte (a escrita) com uma precisão que faz o cineasta Joe Wright, empenhado, firme, parecer meio amador. Não é – somente a comparação é injusta.



Razão e Sensibilidade – ou Sensibilidade e Bom Senso, excelente título de Portugal – passou às telas com fidelidade rigorosa. Não exatamente por isso, é um dos melhores filmes da década de 90, dirigido pelo mesmo Ang Lee de maravilhas como Hulk, Tempestade de Gelo e O Segredo de Brokeback Mountain. De Emma gosto menos, ou eu vi muito Clueless na Sessão da Tarde para chegar a me surpreender com a narrativa. Ou talvez já conhecesse todas as qualidades que Austen apresenta, sem muita novidade.

Muito subestimado é Persuasão, que também parte de um desencontro amoroso, mas tece uma relação familiar cínica demais para o que nos acostumamos a ler na autora. Mais uma vez, as irmãs. Agora não são amigas (uma emocional e outra sábia, como em Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade), mas compartilham uma convivência levemente perversa. Uma é linda; a outra, inteligente, mas passiva. E há o pai, incrível, irônico, sutilmente brutal e venenoso, futilmente obcecado pela beleza – que a heroína não tem.

Vamos para Abadia de Northanger, então. Vai furar a minha fila de leitura, que conta com, entre outros, o incensado Reparação, de Ian McEwan. A Inglaterra muda, mas as referências, não. A epígrafe do livre é um trecho da Abadia... Reparação chega esse ano aos cinemas, nas mãos do mesmo Joe Wright de Orgulho e Preconceito.
Leia mais: João Pereira Coutinho na Folha: "Como Jane Austen pode mudar sua vida"

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