domingo, julho 01, 2007

Belo Filme Raso

Texto meu em Nacocó:


P
hilippe Barcinski estréia no longa-metragem com “Não Por Acaso” (Brasil, 2007), produto Globo Filmes que felizmente funciona fora dos padrões de mediocridade estabelecidos pela distribuidora. Embora haja realmente uma redução de complexidades em relação ao que se espera de um diretor promissor, a marca autoral de Barcinski é forte o suficiente para minimizar as limitações do filme.

Pelo estilo de Barcinski, entenda-se em gosto de explorar cenários urbanos, em tom diferente do realismo urgente que se vê no cinema brasileiro. Suas tramas são intrincadas, com tendência ao fantástico. O sinopse de seus curtas mais conhecidos pode dar uma idéia: em Palíndromo, vemos de trás para frente o dia de um executivo em São Paulo; em A Janela Aberta, um homem na cama tenta lembrar se fechou a janela de casa. Essa ambientação paulista-paranóica costuma ser fotografada rigorosamente, com especial atenção para a geometria da imagem.

Em “Não Por Acaso”, Barcinski continua dando um show de cinema, desde os créditos iniciais. Num sobrevôo por São Paulo, os nomes de patrocinadores, elenco e técnicos aparecem gigantes sobre os prédios e viadutos da cidade. Durante os 90 minutos de projeção, a câmera freqüentemente se detém na composição arquitetônicas dos edifícios, carros para lá e para cá, silêncio. Os interiores não são negligenciados. Planos exploram apartamentos antigos, de cores perfeitamente desbotadas, envolvendo os personagens. É lindo na tela (foto de Pedro Farkas), mas também é triste, melancólico. O cara ama São Paulo.

Embora essas imagens urbanas garantam arrebatamento constante, é pena que, no que diz respeito às pessoas que ocupam esses espaços, o diretor ainda tenha um longo caminho a percorrer. O filme segue dois personagens, Pedro (Rodrigo Santoro) e Ênio (Leonardo Medeiros), afetados pela perda das pessoas que amam.

Pedro é dono de uma oficina de carpintaria especializada em mesas de sinuca, e pratica eventualmente o esporte. Barcinski, claro, não deixa de se esbaldar com a geometria das bolas sobre o verde, criando efeitos de imagem próximos da hipnose. Ênio é engenheiro de tráfego, trabalha regulando o trânsito de São Paulo, na frente do computador. As duas vidas não se unem, mas têm um ponto de tangência. Um acidente de carro causa a morte da namorada de Pedro e da ex-mulher de Ênio. Ainda bem, filme passa longe de “Amores Brutos” (2000) e “21 Gramas” (2003).

A perda os aproxima de outras pessoas – Pedro se envolve com a inquilina de sua namorada morta, Ênio descobre tem uma filha adolescente com o amor do passado. Para quem tem tanto repertório de imagem, é surpresa agradável ver o tratamento delicado que Barcinski dedica a essas pessoas. Os atores conversam calmamente, com intervalos entre as frases, respirando, bem longe de interpretações globais. As imagens de São Paulo não trabalham contra os sentimentos; ao contrário, os contextualiza.

Os problemas aparecem quando essas relações pessoais ameaçam se complexificar. A história de Ênio parece bem segura, mas Pedro caminha em direção à loucura, e sua rota de destruição é prontamente abortada. Aí fica claro que o diretor, embora interessado e aplicado, não tem ainda fôlego para produzir um drama humano de profundidade. Problemático também é o uso da música, que parece querer provocar sentimentos fortes muito antes de haver alguma coisa na tela com alta voltagem emocional.

Quando o filme vai ficando frouxo, Barcinski vence a queda de braço com suas limitações armando um maravilhoso e poético final, um espetacular engarrafamento provocado com um rádio de comunicação. É o toque de fantástico-urbano usual nos filmes do diretor, desta vez lembrando um desfecho das adaptações cinematográficas de Cortázar, como o tênis sem bola de “Blow-Up” (1966) (guardadas as proporções, claro). Logo depois do caos, um bonito plano final, ao mesmo tempo tão próximo de um comercial de margarina quanto da paz de ter superado uma fase difícil da vida. Por incrível que pareça, dado o tom emocionalmente raso do filme, o efeito é de lavar a alma. Com um final desses, o balanço geral só pode ser positivo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Não acho um filme raso, não, mas falat um algo a mais, sim.

Fez algum sentido?

Saymon Nascimento disse...

Não sei, Chico. Acho que a profundidade do filme é insinuada, mas ninguém nunca chega até onde as coisas começam a doer de verdade.

Anônimo disse...

Então, só discordo de uma coisa:

acho que Pedro caminha sim para a destruição. a maneira como ele tenta reproduzir com a Lúcia o que viveu com Teresa. Como espectador, dói pra cacete vê-lo Pedro bater aquelas malditas claras, repetir que tem queijo, as fórmulas pra se fazer o melhor omelete etc.

Do outro lado, tudo acaba bem. E aí fica um ponto que acho que faltou: a Bia (Rita Batata) nem parece que perdeu a mãe! Acho que a única sugestão de que amorte da mãe dói é o tanto que ela fica no pé do pai.

abraços!

PS: cheguei ao seu blog por meio de um post do blog do merten.