O filme de Minnelli é o casamento da raposa. Tenta conciliar a elegância p&b e RKO de Astaire com o colorido explosivo da Metro, e dá ao ator dois números energéticos à Gene Kelly. Charisse não é o melhor par para Astaire, jamais funcionaria sem cor, e dança clássico, ao invés do tap dancing. Num desses mistérios da humanidade, o filme é uma obra-prima.
Deve ser a grife Minnelli. Setaro fez recentemente um belo post sobre o diretor, rei, da comédia sofisticada ao musical colorido, mas também nos "melodramas ásperos". Sem contradição - o excesso cênico de seus filmes leves no fundo me parecem uma tentativa de mascarar uma visão de mundo pessimista e ácida. Não me lembro de quem é essa idéia, mas concordo que Minnelli, com seu exagero de cenários e figurinos, busca reconstruir o mundo. Assim como Jacques Demy, mas essa é outra história.
Voltando aos melodramas ásperos, Minnelli fez Assim Estava Escrito e Deus Sabe Quanto Amei, mas o grande mestre do estilo é Douglas Sirk. Ultra-barroco, fazia filmes supostamente xaroposos, mas a sensação mais comum diante do que ele faz não é lágrima, é estupefação. O excesso é crítico, diz o oposto do que parece dizer. Não há emoção fácil - todos os códigos do gênero estão ali, mas funcionam ao contrário. Incrível.
Almas Maculadas: Sirk para Faulkner
Os mais badalados são Tudo o Que o Céu Permite, Imitação da Vida e Palavras ao Vento, filmes que gritam de longe "falsidade", "petróleo", "sexo", "família"... Meu preferido é outro: Almas Maculadas, filme em preto e branco cortante sobre homens vivendo em perigo em corrida de aviões. Adaptação de Pylon, de Faulkner, é o Sirk onde esse sentimento de inner America é mais forte. Não por acaso, parece uma mistura do Sirk padrão com o mundo de Os Eleitos, de Tom Wolfe.
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Na lista de aniversário, destaquei o impacto de Verão de 42, o doce, amargo, e podre de melancólico filme de Robert Mulligan sobre o relacionamento de um adolescente com a mulher mais velha que perdeu o marido para a guerra. Em 1943, um plot parecido na Itália, em Verão Violento, de Valerio Zurlini.
Esse aqui é melodrama de verdade, intenso, cruel e fatalista, com um Jean-Louis Trintigant (que estava em todas no final dos anos 50) já adulto e a viúva sensualíssima e carente de Eleonora Rossi Drago. O mundo é o mesmo de Aquele que Sabe Viver (Itália, praia, férias, sexo, jazz), mas Zurlini usa a velha marreta narrativa da guerra para acabar com tudo.
Amostra grátis, um dos 15 pontos altos do filme, o primeiro beijo. Quanta emoção, quanta sofisticação, e essa fotografia Antonioni da madrugada, para Eleonora Rossi Drago, beleza rara, grande atuação. Incrível.
5 comentários:
"You are temptation and I am yours... Here is my heart... Take it and say we'll never part"
música incrível, e tinha tempo que não a ouvia
então, Saymon, qtas seqüências legais no YouTube. Pena que elas duram pouco: logo vem uma major e tira do ar. Sempre acontece isso.
Beijos enormes
http://www.revistapaisa.com.br/
Geral tá dizendo que é ótima
=**
Essa cena de 'Roda da fortuna' é lindíssima mesmo.
Quando ganhei o DVD (de Gabriela) e assisti pela primeira vez, não resisti, parei o filme e voltei, duas vezes, para rever.
É uma daquelas raras coisas em que se tem vontade de chorar porque é bonito, e não porque é triste, ou melhor, e não porque é triste e bonito. Rola muito essa confusão aí.
Sobre a última cena, linda; saudades de um cinema (que não vi no cinema) no qual a palavra "ritmo" era entendida e praticada em mão dupla.
Minnelli e Sirk, dois gigantes _mas me envolvo mais com o último.
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