segunda-feira, maio 19, 2008

Estrada, praia

Tenho falado nos últimos posts de diretores maverick. Céticos, levemente cínicos, às vezes melancólicos, cheios de uma masculinidade americana sulista que ando vendo em várias coisas ultimamente. Coisas velhas, digo. Falar de Huston e Hawks foi, de certa maneira, um jeito de não falar de Cormac McCarthy e, ao mesmo tempo, não sair do tempo.

Muito provavelmente, estou reduzindo um pouco os dois lados da questão, mas a gente só consegue localizar o que lê, vê e ouve com base nas referências que tem. Nesse ponto, o que me chama mais atenção nesse universo é a incrível capacidade de flertar com o sentimental, com o melodrama, sem jamais tirar o pé da contenção.



Eu havia dito antes que, à primeira vista, A Estrada me impressionava pela secura, pela aridez. É verdade, sim, mas o livro vai ficando mais emotivo de uma maneira quase que comum, a relação entre pai e filho, mas com destreza e precisão que nos fazem sempre ter a noção do quão distantes estamos da vulgaridade. Tiago A. havia me alertado: não é um livro de calafrios, mas de lágrimas.

Quase lá: a tristeza existe, e forte, mas ela não é catártica. É exatamente o tipo de obra que pode até provocar um desses momentos de convulsão, mas bem depois. Você tá andando de ônibus, pensando no nada, e de repente, alguma palavra daquilo tudo se realoca na sua cabeça. (Acabou o livro, excelente companhia é Os Desajustados, de John Huston, com grande roteiro de Arthur Miller).

***

Li depois a boa novella Na Praia, de Ian McEwan. O livro tem alguma coisa de muito familiar, como se o cara acordasse, estelasse os dedos, e começasse a escrever para desenferrujar. É bom demais, porque o cara até em modo treino é gênio, mas não há a surpresa e o choque de Amsterdam ou Reparação. É como se fosse ver Schumacher vencendo um GP de ponta a ponta.

A técnica, já sabemos de cor. O cara vira, revira e retorce um momento crucial na vida de uma pessoa, e deixa rastros da conseqüência do tal acontecimento. Em Cães Negros, era o ataque do cachorro, em Reparação, a mentira da garota, em Na Praia, a malfadada noite de núpcias de um casal virgem.



É a velha herança joyciana de alongar ao máximo o tempo físico indo pra dentro da mente dos personagens (não, eu não li Joyce - aliás, McEwan escreveu um livro que ainda não li, Sábado, passado em apenas um dia, pra lá de 400 páginas), habilidade que, pessoalmente, identifico também em Henry James, meu escritor favorito. Depois do destrinchamento, em golpes rápidos, uma grande elipse, e o estrago está feito.

Em termos temáticos, a novella é mais uma variação sobre ação e conseqüência - a repercussão do que se faz, e a impossibilidade de se voltar atrás (Reparação é o auge disso). O punch dos livros dele vêm justamente nessa hora em que o personagem reconhece que perdeu, já foi, game over. Mesmo em piloto automático, a habilidade do truque narrativo, e, ao mesmo tempo, o significado emocional e humano da impotência diante do que não tem remédio, ainda são desconcertantes.

***

Tava vendo Lady Oscar, de Jacques Demy. Se o filme serviu para alguma coisa, foi para afirmar de vez minha admiração pelo Maria Antonieta de Sofia Coppola. Nunca o peso de cenários e figurinos nababescos foi filmado com tanta leveza, tanta juventude. O golpe de mestre é, ainda nesse tempo ágil e musical, mergulhar tudo numa tristeza delicada e feminina. Lady Oscar é curiosidade histórica, retrato empoeirado das mulheres frívolas da época da Revolução Francesa. Há humor, mas falta graça, liberdade de movimentos. Lady Oscar se arrasta, o filme de Sofia Coppola flutua. Maria Antonieta vai ser redescoberto, resgatado desse pântano de filmes mal compreendidos.

4 comentários:

Anônimo disse...

[...] a tristeza existe, e forte, mas ela não é catártica. É exatamente o tipo de obra que pode até provocar um desses momentos de convulsão, mas bem depois.

Isso, claro, depende muito do pai que você teve.

Saymon Nascimento disse...

Talvez, não sei. Acho que mesmo nesses casos, até pela forte relação paterna do livro e uma visão minha do que isso significa, a tendência é segurar a emoção. Continuar.
No livro, o guri tem cinco anos, seis. Na minha idade, essa relação toda do jeito que vem no livro passaria por NÃO chorar o pai, e seguir. Na minha posição, como leitor, me senti quase obrigado a esse ato de respeito e contenção. Não chore. Não agora. Estranho, não?

Anônimo disse...

Não, não, agora não tem nada de estranho. Tinha antes, no trecho que eu destaquei, no qual você, num tom que se fingia objetivo, falava de um aspecto sobre o qual só se pode falar subjetivamente, tal; mas, agora, no segundo parágrafo de seu comentário, você finalmente deixou claro pra toda essa gente que te lê que aquela era sua posição, como leitor. Então beleza tá tudo certo. Porque, véi, eu tenho um broder que se acabou, chorando de se sacudir. E tipo, esse cara nem é disso nem nada.

Angelov disse...

go coppola go!