quinta-feira, novembro 20, 2008

Duas vezes Delon

O Assassinato de Trotsky é mais um dos filmes-enigma de Joseph Losey. Alain Delon interpreta o matador, Romy Schneider é a namorada e Richard Burton o revolucionário soviético. O ano é 1940, há um plano para eliminar Trotsky, mas o filme não é sobre isso: personagens andam pra lá e pra cá em cenas que, no sentido tradicional, não vão a lugar algum.

O texto não é dos mais fáceis: não pela erudição, mas por, aparentemente, não concluir nada; não há nada remotamente construído em relação de causa e conseqüência, e, analiticamente, é difícil descobrir como o filme te pega pelo pescoço. Longe do thriller - isso não é O Dia do Chacal -, Losey faz mais uma obra perturbadora.



Não apenas porque o filme não se arma para chegar a quaisquer resoluções, mas porque emana um terrível e inexplicável mal-estar, do mesmo jeito que os igualmente intransponíveis Estranho Acidente e Cerimônia Secreta. Delon e Schneider, na platéia de um tourada sem quê nem porquê, participam de uma das cenas mais terríveis e angustiantes já vistas.

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Eu admiro muito Alain Delon, por ter sido um astro que não sucumbiu diante da beleza do próprio rosto: preferiu construir uma carreira com Visconti, Losey, Zurlini, Antonioni... Um dos diretores que mais contribuíram para seu sucesso artístico foi Jean Pierre Melville, que desconstruiu a face de anjo em policiais gelados, filmes de gângster de molde América 1940 e poucos reconfigurados para especificações francesas - a bruma, o gelo, a frieza, e principalmente, o silêncio.

Ninguém fala dos filmes de Melville - somente o necessário. A imagem corre solta, especialmente em grandes e minimalistas cenas de assalto super-arquitetadas. Das três colaborações entre Delon e Melville, Expresso para Bordeaux é certamente a menor - até porque O Círculo Vermelho e O Samurai são obras-primas -, mas é cheia de prazeres.



Nunca um tapa na cara foi tão violento como nesse filme. Milhas distantes do politicamente correto, Delon estapeia um preso imigrante logo no início da projeção. Mais tarde, dá um senhor tabefe na cara do travesti informante, que lhe deu uma dica falsa. Tough guy, mas não é tipo.

Os filmes de Melville não são daqueles policiais ostensivamente profundos - Colateral, por exemplo - mas há sempre uma insinuação de tormenta interior muito forte nos seus personagens de cara fechada. A violência assusta nesse filme muito mais pela mera possibilidade que pode haver algo terrível por trás dos olhos de Delon, do que por qualquer explicação para o seu comportamento. O close-up final nele tem algo do desfecho de Bullit, de Peter Yates outro policial "operaprímico".

Mas se há alguma ponte a ser feita entre o filme e outro diretor, ele é Brian De Palma. Se os zooms e as elaboradas cenas de ação sem diálogos (o início de Femme Fatale, por exemplo) já indicavam uma influência, Expresso Para Bordeaux nos revela que a cena de perseguição entre o trem e o helicóptero de Missão: Impossível é uma bela homenagem a Melville.

Um comentário:

André Setaro disse...

Gosto muito desse filme de Losey.