sábado, fevereiro 25, 2017

Jackie

Jackie é o segundo filme de Pablo Larraín no qual vemos a necropsia de um chefe de Estado assassinado. O primeiro foi Post Mortem, no qual, no acto final, o escrivão protagonista regista as observações do médico legista de Salvador Allende, mais um cadáver no meio do monte de corpos que inunda o ato final do longa de 2010, praticamente um perturbador filme de zumbi.

Não vi o primeiro longa dele, Fuga, mas de Tony Manero em diante, Larraín orbita os momentos decisivos da política em diferentes distâncias. Em Tony Manero, Post Mortem e O Clube, está a consequência das mudanças bruscas na História na vida das pessoas comuns. Em No e Neruda, ele se aproxima dos protagonistas dessas mudanças. Agora, nos Estados, um Jackie, ele parece fazer um zoom-in direto para o centro do mundo, com um filme sobre a morte de John Kennedy.

Apesar do título, não é um filme sobre Jackie, e sim sobre o luto e a resiliência. Jackie é apenas um símbolo, um avatar desse luto, uma vez que, como confessa a um padre, no fundo ela está tão distanciada daquele homem quanto o povo americano, apesar de ter dois filhos com ele. O que importa a Jackie, e ao filme, é a construção de um legado, o jeito como a história de um homem vai ser construída e eternizada.

A construção do filme nos relatos de Jackie a jornalistas (um entrevistador, as câmeras que percorrem a Casa Branca antes da morte de Kennedy, a vontade de Jackie de ser vista com o vestido manchado pelo sangue do marido) sintetiza isso, a história como mise-e-scène. Nada se sabe sobre Jackie ao final desses 100 minutos, além da sua vontade de construir o lugar do marido e a sua despedida (e ponto de partida, na verdade) na história americana.

Natalie Portman, dirigida a atuar no limite do artifício, é uma representação perfeita desse teatro. Ela não convence como Jackie, mas não precisa convencer; ela representa um ícone, o que faz todo o sentido para as ambições do filme.

Esse momento definitivo quando se decide como a história será escrita tem, mais uma vez as tintas de horror e, ao mesmo tempo, o gelo que Larraín imprime à sua obra. A trilha sonora sobe aqui e ali, assustadora, a câmera percorre e frequenta esses bastidores, a edição retalha esses dias decisivos em fragmentos essenciais. Belo filme.

Nenhum comentário: