domingo, fevereiro 26, 2017

Moonlight



Talvez seja fácil dispensar Moonlight como mais uma história de formação, um coming of age de minorias (negro, queer), mas o filme me parece bem mais que isso. É um filme sobre a instância sensorial e sensual dessa formação, do poder dos sentidos como construção de uma identidade, em vez do pensamento.

É por isso que o filme é todo fragmento, e nem tô falando da sua estrutura de tríptico: cada cena vem depois da outra como se houvesse um mundo de elipses entre cada uma delas, e como se o que fixasse os momentos que vemos fossem sobretudo momentos do corpo: o silêncio, o sangue na boca, as palavras que não correspondem à imagem, uma mão agarrando um punhado de areia.


Fazia tempo que eu não via alguém filmar corpos humanos tão bem assim, com tanta expressão. É um cinema antropocêntrico, do gesto, do detalhe desse gesto, cujo padrão de referência me parece ser o Wong Kar-Wai dos anos 90. É algo que o diretor Barry Jenkins nos faz relembrar com a inserção da versão de Caetano Veloso para Currucucu Paloma, que estava em Felizes Juntos bem antes do Fale com Ela de Almodóvar, curiosamente outro filme muito importante sobre o corpo.

Essas presenças humanas incendeiam Moonlight do início ao fim, com esses filtros que chamam a atenção apenas o suficiente para o realce de sensações, e logo em seguida parecem discretos, como se houvesse todo um mundo de emoções que vão sempre permanecer fora da tela - não no extracampo, mas nas elipses.

Os personagens vão mudando de corpo com a troca dos atores em cada uma das fases, mas tudo permanece orgânico, porque o filme deixou desde o início o espaço para que completemos as lacunas entre uma cena e outra, entre um intérprete e outro.

E o filme nos deixa ainda preencher as lacunas dentro de uma mesma cena. O segmento final do filme talvez contenha as imagens mais sensuais que vejo em muito tempo, sem que absolutamente nada aconteça, e de um jeito que a tensão sexual se converte milagrosamente em algo bem mais profundo e delicado.

É um filme de imagens todas essenciais, onde vemos apenas o que precisa ser visto e nenhum segundo a mais. Pessoalmente, a minha imagem preferida é de André Holland fumando do lado de fora do seu restaurante. Dá pra sentir o cheiro da fumaça do lado de cá da tela.

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