Não se vocês sabem, mas abri um blog somente para registro dos filmes que vejo. É claro que é também um exercício de ego, mas sempre que dou uma passada de olhos pela lista percebo a validade de mantê-la no ar. Só de olhar o título, consigo reaver impressões do impacto e da força de alguns filmes.
Pois bem, revendo essa lista, não consigo tirar da cabeça a idéia de que A Sangue Frio, de Richard Brooks foi a melhor coisa que vi esse ano. Nada conseguiu me deixar tão estupefato, me pegar desse jeito. O final traz imagens pra levar pro resto da vida: as gotas de chuva escorrendo na janela e se refletindo no rosto de Robert Blake, como lágrimas; o baque surdo do enforcamento e fade-to-black, sem créditos finais.
A Sangue Frio é uma adaptação do livro clássico de Truman Capote sobre a chacina de uma família no interior do Kansas, onde o autor mistura técnicas de ficção com reportagem para criar (segundo ele) a novela de não-ficção. Capote tem um estilo agudo, seco, mas eu, pessoalmente não consigo achar esse livro a melhor coisa que o chamado novo-jornalismo produziu. Excelente, mas com certeza fica ofuscado diante dos textos de Gay Talese ou de Os Eleitos, uma senhora reportagem que também contou com elementos de ficção, escrita por Tom Wolfe.
O que Richard Brooks faz com essa matéria-prima é inventar a forma ideal de se filmar literatura russa (com a qual ele já havia lidado numa adaptação rara de Os Irmãos Karamazov): a radicalização do expressionismo realista (kammerspiel) característico de F. W. Murnau. O preto e branco cheio de extremos e a secura dramática que enche a tela de crueldade se adequam genialmente ao material. Poucas vezes a sombra no cinema realmente refletiu os abismos da alma - só nos melhores filmes noir, como Fuga ao Passado, também de influência expressionista.
Um off aparece no final, resumindo os anos de espera no corredor da morte, narrado por um ator que personifica outro escritor que não é Capote. Este off sugere uma das mais brilhantes uniões de eloquência cinematográfica com eloquência literária. A tragédia parece precisar da narração, deixando aí a impressão de que se existe um texto capaz de dar conta dessa tragédia, é o da literatura russa clássica. Capote não é Dostoievski, mas imagens de Brooks dão ao seu texto essa dimensão, em proporções fílmicas.
Escrever "imagens de Brooks" é injusto sem citar o nome do fotógrafo Conrad Hall, oscarizado por Butch Cassidy, Beleza Americana e Estrada Para Perdição. O que Brooks e Hall compõem é o melhor dos álbuns do meio-oeste americano, típicos dos anos 60, desde Os Desajustados e O Indomado. Esses filmam formam, junto com A Última Sessão de Cinema, Essa Mulher é Proibida, entre outros, a linhagem de investigação da vida em Utah, Kansas, Texas. O que aconteceu com o povo que não tem mais nada a conquistar, índios a matar, perdidos como engrenagens girando em falso nesse território estéril? Os recentes Brokeback Mountain e Três Enterros são digníssimos herdeiros desse clássicos.
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