Por que tinha tanto vontade de ler o Nostromo? Para começar, uma razão cinematográfica. David Lean morreu tentando levantar dinheiro para adaptá-lo, mas não conseguiu financiamento e uma seguradora que aceitasse o risco de ter um diretor octogenário no comando de uma produção complicada e de grande dimensão. Pelas 250 densas páginas que já li, seria material perfeito para o cineasta.
Joseph Conrad
Lean dirigiu meu filme preferido de todos os tempos, Lawrence da Arábia, exaustivo épico de quatro horas sobre a trajetória do tenente inglês (já ouvi dizer que ele nasceu no Brasil, em Botucatu, SP; o Wikipedia desmente) T.E. Lawrence tentando unir os povos árabes durante a Primeira Guerra Mundial. Em outros de seus grandes filmes, o “ser estrangeiro” é fundamental: A Ponte do Rio Kwai, sobre soldados ingleses sob domínio japonês na antiga Birmânia, durante a II Guerra; Passagem Para A Índia, magistral adaptação de E.M. Forster sobre o comportamento da comunidade inglesa em contato com os mistérios do país asiático; Summertime, pequena crônica de uma secretária americana solteirona, aprendendo o que é paixão, amor e sexo em Veneza.
Mesmo em Desencanto, sufocadamente narrado em Londres, após o desenlace de um adultério, o médico decide trabalhar na África. A mesma atitude do Lord Jim, de Conrad, a quem a lembrança do fracasso impede o fortalecimento de raízes em qualquer lugar. Pela afinidade de tema, Lean faria um grande Nostromo. Tanto ele quanto Conrad têm imenso interesse na sensação de exílio.
O que nos leva ao motivo número 2: a vida do próprio Conrad. Mais detalhes no Wikipedia, mas sempre me atraiu saber o que alguém com sua trajetória escreveria. Nascido na Ucrânia de família polonesa, entrou para a marinha britânica e foi ver o mundo, da Venezuela até a Indonésia. Lord Jim, é um grande livro que traz esse ponto de vista sobre a Ásia; Nostromo seria um produto das vivências na América Latina.
Isso tudo me faz pensar que na verdade, há uma única razão geral para que esteja atraído pelo livro. Trata-se de uma afinidade e vontade que eu mesmo tenho de ler/ver tudo sobre esse tema, o exílio. Meu escritor favorito é Henry James, o mestre americano que foi viver na Europa, mas não deixou de ser apátrido – aqui, acolá, nunca à vontade. James escreve sobre “incidentes internacionais”, histórias de desencontro de mentalidades que se refletem discreta e poderosamente em sentimentos como amor, paixão e arrependimento.
Também me interessei imediatamente por Graham Greene pela sua história: inglês, espião, jornalista de guerra, autor de dois livros que gosto muito, O Americano Tranqüilo e Fim de Caso, e de outros que quero muito ler. Hemingway também, Camus. E Truman Capote, super-elogiado por A Sangue Frio, mas autor cujas obras-primas estão em histórias curtas, como os relatos de viagem de “ A Cor Local”, disponíveis na compilação Os Cães Ladram. Qualquer dia desses, digito o capítulo sobre Tânger.
No cinema, nem se fala- dos já citados filmes de Lean a várias obras de Howard Hawks e John Huston. Paraíso Infernal, Uma Aventura na Martinica (adaptado de Hemingway), de Hawks; Uma Aventura Na África, O Diabo Ri Por Último (roteiro de Capote), de Huston. Os três últimos, aliás, com Humphrey Bogart no papel principal. Deve ser isso - ser exilado exige curtimento da carne, mente aguçada, esperteza, o tipo de coisa que compõe personagens muito interessantes, anti-heróis. Claro, colocar Casablanca nesta lista Bogart. E não esquecer de O Salário do Medo, de Henri Georges Clouzot, único filme da história a passar em Berlim e Cannes e levar para casa tanto o Urso quanto a Palma de Ouro. (Tudo isso disponível em DVD).
John Huston: impressão minha ou dá para ver a marca de exilado na cara desses três?
(Claro, vários desses caras são jornalistas ou seus livros/filmes tem protagonistas que exercem a profissão. Resquícios de uma visão meio romantizada sobre o jornalismo, o "ser correspondente", expertise que deve exigir muito jogo de cintura e poder de observação. Conte aí Euclides da Cunha e seu fundamental Os Sertões - quem me apresentar livro brasileiro melhor ganha eterna consideração)
Enfim, depois desse name-dropping, todos ficam sabendo: este é um tema que me atrai. O Nostromo? Até agora, maravilhoso, mas livre que exige atenção extrema. Não é algo que se leia em busca de aventura, e sim de poder de observação, de escrita em entrelinha. Muito pouco “narrativo”, por sinal. Demora e muito para que ele saia de um panorama geral (geográfico, até) sem fixar tempo nem personagens como nossos cicerones em Sulaco, a cidade fictícia que é centro do livro. Leio devagar, às vezes a conta-gotas, mas com grande prazer.
Um comentário:
Saymon, valeu o comentário no the cave e pode ficar despreocupado. eu não corro o risco de ficar na fissura por ver um filme por dia. Vejo que você curtiu Nostromo. Recomendo Tufão, do mesmo autor (eu li a edição pocket da LPM). É extraordinário! Aliás, como tudo que o Conrad escreveu. Eu também estou correndo atrás desse os filmes de minha vida. Desse e daquele livro Hitchcock/Truffaut (um livro de entrevistas com dois dos maiores gênios da história do cinema).
(http://claque-te.blogspot.com): A Conquista da Honra, de Clint Eastwood.
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