O outro diretor que mais ambicionava fazer esta adaptação era Joseph Losey, que têm seus pontos de tangência temáticos com Visconti: registro das classes altas, influência marxista, cultura infinita, amor pelo teatro, pela ópera e pela grande literatura. A diferença entre os dois é basicamente de tom. Visconti usou muitas vezes a lente do melodrama e do épico, e mesmo à distância, deixava no ar uma cumplicidade crítica. Losey é mais radical, distanciado, seco. No fim das contas, com essas diferenças à parte, a crueldade é a mesma.
A comparação entre os dois diretores me veio à cabeça porque finalmente consigo assistir Vagas Estrelas de Ursa, um raro filme de Visconti que, por problemas de direitos autorais, só existe em DVD no Japão. Os rips da edição, claro, não tinham legendas em línguas ocidentais, e o filme permanecia acessível na internet apenas a falantes de italiano ou japonês. Mas "driod", membro dos fóruns Cine Clásico, fez as legendas em espanhol e juntou o som original com a imagem de uma cópia dublada em alemão, já que o rip japonês tinha legendas forçadas.
Luchino Visconti e Claudia Cardinale, em clima oposto ao do filme
Mas deixemos esse papo técnico de lado. O que importa é que Vagas Estrelas é o filme mais enigmático e seco de Visconti, filmado em dilacerante p&b nos interiores de uma mansão em Volterra. A cidade está sendo destruída pela erosão, o que condena os habitantes à expectativa de um fim de mundo latente, próximo.
Os donos da casa abandonada - sobras de uma família desfeita - são os irmãos Sandra e Gianni, reunidos para uma homenagem ao pai, judeu morto durante a Segunda Guerra num campo de concentração. Sandra credita à mãe a denúncia que levou o pai ao campo. O novo padrasto teria sido amante da mãe, e a delação serviu para abrir o caminho do casal. A felicidade não veio: a mãe enlouqueceu.
Visconti mostra flashes dessa tragédia, e dos novos desdobramentos que o reencontro pode provocar. Além do casamento bastardo, a família foi abalada por uma história, que pode ou não ser verdadeira, de que Sandra e Gianni cometiam incesto.
Longe da habitual suntuosidade, Visconti vai revelando as arestas dessa relações doloridas pouco a pouco, por meio de diálogos que não se concluem e veneno de filigrana. O contraste da fotografia é opressor, sem cinzas, o que tira qualquer chance de se encontrar felicidade nas imagens do filme. A música, sempre presente e impactante, mas bem dosada, aparece menos do que o usual nos filmes de Visconti.
Enfim, o diretor faz um longa claramente deslocado do que costuma fazer, mais agressivo e minimalista, sem perder suas preocupações autorais habituais. Aproxima-se de vez do Losey. O resultado é impressionante, e merece mais de uma sessão. Já vi duas vezes.
3 comentários:
gente do céu. to passada. ratatouille "fala às claras sobre o nascimento e o ímpeto do artista, o processo de criação, e o dever e papel da crítica, estarrecendo quem vai em busca de diversão leve".
eu vi o filme, é bonito
beijosss =]
Gabi, não sei se vc está assustada com o que eu escrevi ou com o filme, mas de qualquer jeito, fiquei assustado em ver aquele monólogo do crítico, e aquele papo sobre o artista incompreendido... Mas funciona muito bem. É o desenho mais intelectual que jpa vi, e não é chato.
é que eu não tinha percebido este aspecto do filme
mas chorei no final, é claro
=P
beijo
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