Santiago me deu vontade de finalmente ver uns filmes dele que tinha baixado já há algum tempo. Conhecia já o Era Uma Vez em Tóquio (por cortesia de Diego Maia) e o Bom Dia, em DVD, e gostei muito desse tom sereno, calmo, e principalmente no primeiro, do retrato de família crítico.
No último fim de semana, vi Pai e Filha, (Late Spring, Banshun) que tem a mesma qualidade dos outros dois, uma delicadeza estável, com um final lindo, o velhinho sozinho, descascando laranja. Uma beleza ver esse cinema pós-guerra, com personagens que vinham da era feudal, misturados com os jovens. Ozu registrou um momento chave: um Japão ainda cheio de tradições arcaicas, convivendo com uma modernidade agressiva, entrando pela janela.
Nada disso, de qualquer jeito, prepara para a amargura de Crepúsculo de Tóquio, triste, arrasador, ou como li num comentário do IMDB: "Ozu's darkest hour". A mesma estrutura dos outros filmes, mas aqui, Ozu parece sair da casa dos personagens e acompanha seus conflçitos na rua. Uma das filhas de um bancário se envolve com um jovem delinqüente e engravida. A mãe das garotas, sumida há muito tempo, reaparece em Tóquio.
Setsuko Hara, em Crepúsculo de Tóquio
Ozu, naquele ritmo de aparente marasmo, não faz uma concessão. Impressionante o tratamento do aborto no filme, não me lembro de nada parecido com isso antes dos anos 60. Essa ciranda de pessoas que fazem mal umas às outras vão ficando mais intensa, e o resultado só poderia ser trágico. (Quanto a isso, o filme tem uma das elipses mais impactantes que já vi).
Depois da tragédia, não há conciliação, só rancor e resignação, e sempre de maneira radicalmente humana, sem dramalhão. Está tudo no rosto da atriz-fetiche de Ozu, Setsuko Hara, que decide não aparecer na despedida da mãe, na estação de trem. É o melodrama negando o melodrama, da mesma maneira que, em Um Certo Capitão Lockhart, Anthony Mann nega o faroeste ao suprimir o acerto de contas.
O final de Crepúsculo em Tóquio não tem alívio. Ozu faz algo aqui que me lembra aquela frase de Julianne Moore em Magnólia: "Você já viu a morte na sua casa?"
Pode não ser tão redondo e equilibrado quanto o Era Uma Vez em Tóquio, mas, até por negar uma paz de espírito aos personagens, é igualmente impressionante.
5 comentários:
Ao invés de esperar Godard, que não vem, que não vem, como diz certa música, você deveria estar, caro Saymon, a esperar Godot. Mas o fato é que a simplicidade de Ozu me comove e creio que 'Viagem à Tóquio' é um dos monumentos da história do cinema. Wenders, que admira muito este realizador nipônico, fez um documentário sobre ele primoroso. O cinema japonês, por um certo tempo, se resumia, para a grande maioria dos cinéfilos (o grande público sempre à margem e a 'mastigar' as guloseimas encontradas no lixo da indústria cultural)a Akira Kurosawa, e se deu a conhecer internacionalmente, como bem sabe você, cinéfilo impertinente que é, em 1952 através de 'Rashomon', que o cinema americano copiou em 'Quatro destinos'('The outrage, 1964)- http://www.imdb.com/title/tt0058437/, western de Martin Ritt - será que dá para baixar da internet?. Por causa da colônia japonesa em SP, várias distribuidoras existiam e lançavam muito cinema nipônico, que chegava à Salvador. Cheguei a pegar vários festivais desta cinematografia, vindo a conhecer, para meu deslumbramento adolescente, nomes como Kaneto Shindo, Masaki Kobayashi ('As quatro faces do medo', 'Guerra e humanidade', que tem 9 horas), Shohei Inamura, Ozu, Eizo Sugawa, entre muitos. 'Onibaba' é fantástico, insólito, creio que de Kobayashi, se não me engana a memória fraca com os neurônicos um pouco gastos pela cerveja derramada. Tenho acompanhado na surdina os seus escritos e não me surpreende a sua competência, pois já a percebia há alguns anos com sua cinefilia séria e competente, que não é restrita aos 'foguetes' circunstanciais do modismo ululante. Cinéfilo de mão cheia, você o é, caro Saymon, e mais: pesquisador e crítico. Sabe perceber o elo sintático conjugado com o elo semântico, tem uma invulgar capacidade perceptiva. E que volume de dados filmográficos a considerar ser ainda um jovem!!
Sem mais para o momento, um cinéfilo ignorante e mal informado,
ANDRÉ SETARO
Passando por aqui de novo, sei que posso encontra referências sobre uma nova filmografia, informes sobre o cinema de Ozu e sua Setsuko Hara e o entusiasmado comentário do Prof.Setaro. Por tudo isso quero lembrar outro nome importante na cultura nipônica, a do cineasta Kenji Mizoguchi com uma produção de mais de cem filmes sobre o medievo, tradiconal e moderno Japão e suas complexas relações humanas.
Setaro, sempre uma honra saber que vc visita o blog. NUnca vi Quatro Destinos, mas a cópia está disponível na internet sim. Quando desafogar esse monte de filmes que baixei, vou dar uma conferida. Ritt fez um dos meus filmes preferidos, O Indomado.
Eu vi Onibaba, é maravilhoso, mas de Kaneto Shindo. Tenho o Guerra e HUmanidade de KObayashi aqui, mas n vi ainda.
Stela, fiz um pequeno post há uma tempinho prometendo falar mais de Mizoguchi, mas ainda não tive o tempo. Vi vários filmes dele, em cópias dos DVD que foram lançados na Espanha.
Saymon, também gosto muitíssimo do Ozu. Além desses que vc citou no post, lembro-me de ter visto "A rotina também tem seu encanto" e "Pai e filha", absolutamente fascinantes. Em priscas eras um cineclube de pouca duração, o Cineclube Brancaleone, sediado na Facom e com gente como João Carlos Sampaio e Sérgio Machado na linha de frente, ousou exibir uma mini-retrospectiva do cineasta por esta terra. Este ano tivemos Mizoguchi na Sala Walter, quem sabe não poderiam repetir o feito com outro gigante do cinema oriental, né? E os Cassavetes? Saberia dizer como está a projeção de "Uma Mulher sob Influência"? Fiquei ressabiado e ainda não me arrisquei a rever esta obra-prima sem as cabeças em seus devidos lugares...
Postar um comentário