segunda-feira, junho 02, 2008

Allen verde

Uma das coisas que eu mais gosto nos melhores filmes de Woody Allen é como eles são polidos, bem acabados, obras que estão finalizadas, prontas para serem exibidas. Dá para perceber esse grau de elaboração justamente nas cenas finais, que costumam arrematar com precisão tudo o que foi visto anteriormente, tipo o "fecho de ouro" do jargão jornalístico.

Basta lembrar de frases como "É preciso acreditar nas pessoas", de Manhattan, ou do close em Allen em Maridos e Esposas, cortando pros créditos, com What's This Thing Called Love, de Cole Porter. Ou lances geniais que passam no meio dos filmes sem muito alarde, como o barulho das balas durante a peça em Tiros na Broadway, ou a piada com o cheiro do enxofre na loja de departamentos, em Descontruindo Harry.

Muitos dos últimos filmes dele, ao contrário, parecem ter sido dirigidos em cima de rascunhos. Às vezes rascunhos não inspirados; outras, rascunhos de um grande filme. Esse último é o caso de O Sonho de Cassandra. A obsessão do diretor com tragédia grega ganha um tratamento bem próximo ao de Chabrol, tanto na parte técnica, cheio de planos insinuantes e movimentos de câmera cirúrgicos, quanto na temática, com suas questões de família.



McGregor e Farrell: tragédia em família

Filme vai, em geral, muito bem, mortalmente tenso até boa parte da projeção. De repente, as coisas começam a se precipitar, ser resolvidas rapidamente, como se ele tivesse enchido o saco. Sem explicitar muito: há dois planos de crime no filme. O primeiro cria angústia insuportável, lenta e cruel; o segundo, ainda mais grave, passa rápido demais na tela.

O problema é justamente ver o belo filme que Allen tem nas mãos se desmanchar tão rapidamente, como um castelo de areia atingido pela maré. O desespero que atormenta os personagens se reverte na angústia de ver uma grande obra ser posta a perder. Vale aquela metáfora muito usada por Kléber Mendonça Filho: o filme é uma fruta verde, colhida antes de amadurecer. De qualquer jeito, o efeito do filme ainda é forte, acho. Prova que rascunho de Woody Allen ainda é melhor do que muita coisa por aí.

Outro destaque: Philip Glass desta vez NÃO arruina o filme!

***

Falando de filmes brasileiros com potencial de popularidade, Estômago é uma grata surpresa. Primeira vez que vejo filme brasileiro no Cinemark (bem cheio) e a platéia não fica chateada. O filme é bom, tem um final excelente, com inesperado humor negro. Causa algumanirritação, no entanto, ver João Miguel dedicar seu talento mais uma vez a um personagem jeca. Não pela jequice, claro, mas pela repetição. Daqui a pouco ele pára no Zorra Total.

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