segunda-feira, julho 28, 2008

Devagar com o andor

Se o atraso de três semanas tiver servido para alguma coisa, ver o Batman agora foi útil porque me sintoniza melhor com o backlash que está por vir, tenho certeza. Por quanto tempo esse filme vai conseguir manter o status de salvação da lavoura, filme da década e melhor de todos os tempos? Bom, a essa altura a Warner já terá arrecadado mais do que planejava, mas tenho sérias dúvidas em relação à durabilidade dos rótulos de obra-prima largados a torto e a direito por aí.

Não que eu deteste o filme, ou ache que ele é ruim, ou mesmo médio. É ótimo; só não justifica tamanho alarde. O amigo Adolfo Gomes afirma que o novo Batman acaba de vez com a idéia de filme de arte vs Hollywood. Assim como na era de estúdios, o melhor cinema do mundo volta a ser feito dentro das fronteiras californianas, e com muito dinheiro.

Eu concordo com a idéia geral, uma vez que muita coisa cara tem aparecido nos cinemas com excelente qualidade. Não é mais o caso de se esperar o esforço solitário de um James Cameron em seus extraordinários Terminators, a cada cinco, seis anos. Mas, enfim, mas por que esperar tanto para declarar essa mudança de ares?

Eu tenho uma teoria sobre isso. Nessa última década, ou desde o Missão: Impossível, de Brian de Palma, para usar o mesmo marco de Adolfo, a qualidade dos blockbusters evoluiu e foi reconhecida, mas a fachada desses filmes caros nunca foi tão... séria.

Vejamos três exemplos de sucessos altamente rentáveis: King Kong, O Senhor dos Anéis e Homem-Aranha 2. A trilogia - cinema excepcional, eu diria - raspou as bilheterias mundo afora e ainda ganhou o prestígio industrial do recorde de todos os tempos nos prêmios Oscar, mas seu template fantasia ajudou a minar o respeito com o qual o filme deveria ter se mantido, até hoje.

King Kong e Homem-Aranha 2, ainda melhores, geniais até, nem chegaram tão longe, porque nunca tiveram a ambição obsessiva de conquistar o mundo adulto, como quer Batman. E olha que nem mencionei a Pixar, estúdio que cravou coisas como Procurando Nemo, Os Incríveis e Ratatouille, e tem um grande exemplo de sofisticação ainda em cartaz: Wall-E.

O fato de que nenhum desses filmes foi visto como o "ponto de virada" só pode ser explicado por uma questão de "demographics". Há ainda, a idéia de que a infantilização do cinema americano pós-Star Wars é a grande culpada por uma suposta decadência da qualidade.

Claro que o público adulto ficou em segundo plano, mas é isso é culpa de filmes como Caçadores da Arca Perdida, De Volta Para o Futuro ou E.T.? Eu acho que não. Mas se este pensamento existir no meio da crítica, parece quase óbvio que a qualidade de um blockbuster só seja reconhecida se tal filme for "adulto".



Pois bem. O flerte de The Dark Knight com o mundo adulto foi amplificado de uma maneira mórbida, com a morte de Heath Ledger, o Coringa. Não que o diretor tenha qualquer culpa sobre isso, mas não há como negar que ele saiu beneficiado disso, ainda mais quando Ledger está tão chamativo (não exatamente melhor do que o cowboy de Brokeback Mountain, apenas mais "visual").

Fora isso, o que há de tão profundo e complexo na mente de Christopher Nolan? Eu acho que o filme não é um pires, mas de certa forma a aura de entretenimento adulto vem da forma como ele se apropria do gênero que está no topo hoje em dia nos EUA, na liderança de qualidade: o policial.

O Cavaleiro das Trevas sintetiza razoavelmente a nova brutalidade evidenciada em coisas como Os Infiltrados, Munique, e especialmente, Colateral e Miami Vice, de Michael Mann. São todas obras urbanas e essencialmente noturnas, filmadas com um realismo quase que próximo às imagens de telejornal. Personagens passam longe do tira e do bandido fdp, mas se misturam, evitando o maniqueísmo. Quando alguém morre metralhado, não é apenas um tronco voando na tela, mas morte mesmo, com todas as implicações que normalmente são poupadas às platéias.

Nessa década, são todos filhos de Fogo Contra Fogo, de 95, esse sim um filme que merece ser chamado de obra-prima, também dirigido por Michael Mann. O novo Batman não nega a influência, desde a abertura, um tenso assalto que já denuncia a paleta de azul que vem nas duas horas e meia a seguir. Duração épica, aliás, padrão reestabelecido por Fogo Contra Fogo e seguido à risca pelos influenciados.

A outra fonte da embalagem adulta do novo Batman é um certo tom de tensão política trazido pela presença anárquica do Coringa. A aposta distraída de Nolan é registrar uma instabilidade americana, já que os cidadãos são ameaçados por um vilão demente e sem lei ou qualquer medo das conseqüências, enfim, um terrorista. Há algum diálogo sobre isso no filme, mas o resultado é aplainado: Nolan acredita na humanidade, e há espaço para a esperança.

O problema começa (menos do filme em si, mais do filme tido como obra-prima - esse texto é mais sobre a recepção ao Batman) justamente na comparação com as outras obras negligenciadas para que esse Batman vá parar no topo do Imdb. Há bastante eficiência narrativa, mesmo que as cenas de ação sejam genéricas, mas isso aqui não tem a força cênica de... Michael Mann. Kléber Mendonça apontou certo: o filme só tem um tipo de cena de ação, a corrida contra o relógio. Fora desse corre-corre, tudo ok, bom, até, com picos de força com Coringa em cena, claro. Outra coisa: filme é limpinho em 35mm, com quatro cenas rodadas para Imax. Colateral e Miami Vice foram rodados em digital, com granulação realista bem mais a ver com uma obra que se quer pessimista.

A série Bourne, especialmente no último episódio, foi muito mais longe em termos de instabilidade e fragilidade humana. A cena na estação de trem, em que o jornalista é assassinado, vale por todo o terrorismo do Coringa, mais espalhafotoso que perigoso, sempre fora do quadro. Pelo menos a namoradinha vai pro espaço, mas ela não é gente, é cinema.

Enfim, nesses dois aspectos o filme me parece ter um espaço ainda a preencher para merecer suas cinco estrelas. A tal apropriação, tanto cinematográfica quanto temática, não é essa Brastemp toda. Não acho tão adulto assim, e isso é um problema quando se tem tal pretensão. Para resultados mais satisfatórios, e injustiçados, ver Hulk, de Ang Lee.

3 comentários:

Renato Cordeiro disse...

Para quem é do meio nerd, como eu, existe a cada ano uma nova "melhor adaptação de quadrinhos para os cinemas de todos os tempos" - o de 2008 tinha sido O Homem de Ferro, agora eu já não sei. A referência é quase sempre o Superman de Richard Donner, filmado no final dos anos 70 com atores de ponta do teatro inglês com roteiro do Mario "Poderoso Chefão" Puzzo. Foi também um esforço em conciliar os arquétipos de "filme de arte" e "filme comercial", ou qualquer binômio do tipo. Concordo com você. Nos últimos anos, parece que alguns produtores se convenceram de que é possível - e por vezes muito lucrativo - acabar com este conflito.

pseudo-autor disse...

Eu fico me perguntando no final das contas: nunca foi esse o objetivo de hollywood? fazer sempre alarde com seus filmes? (claro que, reservas à parte, existe o cinema independente). Na sua grande maioria, os cineastas americanos sempre buscam - mesmo que disfarçadamente - o espetáculo acima de tudo. Batman é só mais um exemplo (nos últimos anos, o maior) desse fulgor audiovisual. Mas, acredite, isso passa... Espera o novo filme do Peter Jackson entrar em cartaz e você vai ver!

Saymon Nascimento disse...

Sim, mas não é esse o problema. Problema é crítica achar que a cada novo espasmo de espetáculo temos uma nova obra-prima.