Antes de tudo, uma resposta ao comentário de Pedro, no post anterior. Nacocó vai voltar. Parou porque não tínhamos colaboradores em número suficiente para manter o site atualizado, sobretudo na seção de reportagem.
Para que Nacocó volte, precisamos de ao menos uma reportagem por semana, porque era esse o diferencial buscado. Portanto, se o estimado leitor quiser colaborar, entre em contato comigo. Quando estiver tudo ok para a volta, eu faço a convocação.
***
Dia desses estava meio perdido entre clipes do REM no YouTube, quando acabei parando e ouvindo várias vezes uma canção que amava há uns três anos, e acabei esquecendo. At My Most Beautiful tem uma coisa linda, que é a descrição do sentimento de carinho por outra pessoa, mais do que amor. Lembrar a voz no telefone, saber de cor os tiques do outro, os pequenos jogos de casal, como fazer o outro rir. Simples, e muito bonito.
***
Acabei nesse clipe porque queria rever uma obra-prima do videoclipe (sim, elas existem), Imitation of Life, que, segundo o culto vocalista Michael Stipe, foi inspirada no filme homônimo de Douglas Sirk (que é refilmagem de John Stahl, aliás).
No filme de 59, Lana Turner é uma mulher que abre mão do amor para ter uma carreira como atriz. Quando reencontra o antigo namorado, a filha adolescente se apaixona por ele, e aí temos o velho conflito de pais e filhos tão caro ao diretor.
Quando está endiabrado, como em Palavras ao Vento ou Tudo o Que o Céu Permite, Sirk chega à tragédia grega, modelo que ele adotava para suas crônicas familiares embaladas em cores fortes e cenários fake.Em Imitação da Vida, o forte não é a história de Lana Turner, mas o drama da fiel empregada negra, vivida por Juanita Moore. Ela tem uma filha de pele clara, que tenta se passar por branca e renega a mãe, que, ainda assim, lhe têm amor imenso.
Do meio pro fim, essa história vira o foco principal do filme. Quando a mãe fica doente, começa a preparar o próprio funeral. Seu único sonho é ter um enterro majestoso, pago com o dinheiro que conseguiu economizar.
Juanita Moore e Sandra Dee, empregada e filha da patroa
Isso desemboca no desfecho mais impactante armado pelo diretor em seus sete melodramas da universal, uma explosão de excesso pontuada pela canção Troubles of the World, cantada por Mahalia Jackson (O vídeo do link só mostra do filme o que eu já entreguei aqui. A continuação depois da canção não aparece).
Para Sirk, tinha tudo a ver: a família é alegoria do mundo, e se as relações entre pais e filhos são marcadas por tanta vileza, nenhuma outra ligação humana sincera é possível.
Pessimismo justificado: Sirk é alemão, e fugiu para os Estados Unidos quando o III Reich já havia tomado o poder. Depois de Imitação da Vida ele voltou para a Alemanha, onde largou a direção e passou a ensinar cinema na Universidade de Munique.
***
Mas eu falava do clipe do REM. Se o filme de Sirk tinha registro forte e específico do final dos anos 50, o clipe da banda é atualização brilhante do visual, com um conceito todo novo. Um só cenário, muita gente conversando e vinte segundos de gravação. Percorrendo essa imagem, indo e voltando no REW e no FF, cada trecho da letra é cantada por um ator.
Fazendo um pouco de psicanálise barata, enxergo o conceito do clipe como a dificuldade de absorver tanta informação. Em apenas 20 segundos, tanta coisa acontece, e é preciso ver e rever para apreender o todo. O resultado é que nossa experiência cotidiana não é realmente viver a vida, mas observar fragmentos, e pronto, sem noção de totalidade. Imitações.
Escrito dessa maneira simplória para alguma sobra de Jean Baudrillard, mas acho que faz sentido, sim. Não sei se isso é exatamente ruim, como Baudrillard provavelmente acha, mas essa constatação via videoclipe consciente disso, veiculado dentro da proposta de ultra-picotamento da MTV é algo instigante. O diretor do vídeo é Garth Jennings, que fez O Guia do Mochileiro das Galáxias. Não vi.
Escrevendo esse post, aliás, não tem como não lembrar do grande filme que Brian de Palma fez nessa década, Femme Fatale. Aquele mural de fotografias mantido por Antonio Banderas é perfeita ilustração da apreensão de informação por fragmentos, aliás, fragmentos mediados, que enganam o olho.***
Não me lembro qual meu clipe preferido. Pensando rápido, gosto muito de coisas que rompem essa coisa do picotamento, como o Heart-Shaped Box, do Nirvana. Em vez do movimento frenético, imagens paradas, em seqüência, quase fotografias, todas montadas com direção de arte espetacular. Muitos clipes fazem isso, mas não contam com a dissonância do Nirvana ou nesse clima lugúbre, cheio de corvos e idosos vestidos de Jesus Cristo em cenários de Mágico de Oz. A iconografia utilizada pelo diretor Anton Corbijn assusta, como um bom pesadelo lyncheano.
2 comentários:
também me interessam mais os vídeo clipes não tão fragmentados, de idéias simples e imagens fortes. há dois anos dirigi um video clipe (tá no meu blog) e confesso que fiquei meio perdido entre contar uma história, ilustrar uma música e dar ritmo às imagens. mas é uma boa experiência. o mais irônico é que, quando terminamos o video, a MTV divulgou uma nota à imprensa que iria "parar" de veicular clipe, e que lugar de videoclipe agora não é na TV, mas no Youtube, hahaha.
Olá,
Uma dica para você que é fã do Godard: através da Moviemobz é possível se assistir ao filme no cinema. Para isso basta se mobilizar: se conseguir um bom número de adesão entre amigos e cinéfilos, o filme poderá ser exibido em uma sala próxima a você.
Visite: www.moviemobz.com
Um abraço.
Postar um comentário