segunda-feira, junho 16, 2008

Amantes

Eu já sabia que Gena Rowlands foi provavelmente a melhor atriz do mundo, trabalhando com o companheiro John Cassavetes. Ele era ator, que virou diretor, e deixou marca forte no cinema americano com uma obra de incrível honestidade sobre o que, em clichê, costuma ser chamado de "conflitos humanos".

Fez filmes sobre os problemas que as pessoas têm, suas alegrias, tristezas, e momentos de instabilidade. Seus longas estão mais preocupados com esse fluxo do que com historinhas, muito embora passem longe de qualquer hermetismo ou complicação. É a vida filmada de personagens que não morrem quando as câmeras se desligam. Os créditos sobem e a gente fica com saudade de sua gente imperfeita.

Pois bem, eu sabia que Cassavetes era um senhor diretor, com uma atriz magnífica à disposição. No entanto, não havia visto os dois, John e Gena, atuando juntos. Em Noite de Estréia, eles até dividem a tela, mas por pouco tempo. Em Amantes (Love Streams), apesar do título nacional, os dois interpretam irmãos.

Ele é um escritor, mulherengo, divorciado, com um filho que não vê nunca e certo pânico de dormir desacompanhado. Ela é Sarah, a irmã algo problemática, envolvida nas ruínas de um casamento mal-resolvido, uma filha que a odeia, com traços de histeria.



A surpresa disso tudo é ver Cassavetes tão bom ator quanto cineasta, dando resposta dramática perfeita ao talento da esposa, e, durante boa parte da projeção, segurando o filme sozinho. Não que as presenças de Cassavetes como intérprete antes disso tenham sido ruins. Atuou pouco nos próprios filmes, e, em obras de outros diretores, teve papéis bons em O Bebê de Rosemary, de Polanski, e A Fúria, de De Palma, que lembro agora. Bom, mas não especialmente marcante.

Em Amantes, ao contrário, ele deixa forte impressão. Talvez porque, diferentemente de Woody Allen ou Domingos de Oliveira, por exemplo, ter exposto os próprios problemas na carne de outros atores, o teor confessional de sua interpretação é tocante. Mesmo que, no frigir dos ovos, a inquietação de seu personagem seja pura ficção. Há sempre a tendência de associar a obra de certos diretores às suas memórias, mas é preciso lembrar de Fellini, que dizia filmar memórias inventadas, de mentira.

De qualquer jeito, acho que, nesse caso, há muito muito de John Cassavetes e Gena Rowlands, pessoas, na tela. Não exatamente aqueles imbroglios específicos, mas uma sensação de pertencimento e união, que, como marido e mulher, experimentaram da mesma maneira que os personagens, irmãos.

O Cassavetes ator me comove justamente pelo que consegue pôr para fora, tanto de si mesmo, da própria vida, quanto do personagem. Atuando, ele tem a mesma abertura do Cassavetes diretor para encarar os "conflitos humanos" de frente. Era um cara que sabia observar as pessoas, e seja com a câmera ou com o próprio corpo, tinha capacidade de transformam em ficção o que observava - em si mesmo e nos outros.

Um comentário:

pseudo-autor disse...

Cassavetes é um mestre da câmera por natureza. E teve a felicidade - algo que é para poucos - de ter trabalhado com artistas que foram tão intensos quanto ele. É o caso de Gena Rowlands. Estou querendo rever Amantes e Faces - outro espetáculo de filme - e ainda não tive a oportunidade (por falta de tempo mesmo!).