sábado, junho 28, 2008

No fundo dos olhos

Havia escrito uns vinte parágrafos sobre minhas novas aquisições, mas numa dessas panes do Google, perdi o arquivo. Dizia que comprei dvds bem baratos, de R$ 12,90, nas Americanas. O primeiro é, enfim, Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-Wai.

A liga dos blogues fez recentemente uma votação dos melhores filmes da década até agora, e acompanhei discussão parecida no blog de Chico Fireman. Na prática, faço e desfaço essa lista, mas não chego a conclusão alguma, exceto que Amor à Flor da Pele é o primeiro da lista, aquele filme do seu tempo que é possível amar como se ama os clássicos, porque a eles esse filme recente nada deve.

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Tiago A. escreveu recentemente um ótimo post sobre ironia contemporânea. Um dos aspectos, não exatamente da ironia contemporânea, mas do cinismo do nosso tempo, que faz parte do mesmo espírito, é a febre de citações. Na época gostei, mas acho que hoje detestaria ver Shrek, por exemplo, um filme que se constrói inteiro em cima das risadas que você dá porque entende referências. Que bosta.

Agora, eu vejo com gosto Vestida Para Matar e Um Tiro Na Noite, de Brian de Palma, com o maior dos prazeres. Para quem é desavisado, esses filmes, junto com Dublê de Corpo, passam como portifolios de imitações hitchcockianas, uma cena atrás da outra, igualzinho àquele filme de Scorsese. Diferença seria que De Palma dá uma atualizada, trocando a elegância dos anos 50 pela breguice do início dos anos 80/ final dos 70.



Angie Dickinson, em Vestida Para Matar

Esses filmes são isso, mas longe de ser SÓ isso. Arnaldo Jabor, ele mesmo, escreveu um texto muito bom sobre cinema e vida, usando a metáfora de duas cachoeiras. Vida e cinema como fluxo, um se alimentando do outro. Para Brian de Palma, as cachoeiras seriam cinema e cinema. Os filmes que citei no parágrafo anterior são alucinantes porque são as coisas mais elaboradas a reprocessar outras coisas, não como citação destacada, mas como elementos realmente orgânicos, coerentes.

Naquele universo de travellings geniais, as pessoas tomam banho toda hora em chuveiros suspeitos, ou observam os vizinhos com binóculos, e às vezes sobem em lugares altos onde há sinos tocando. A citação não entra em relevo com o resto do filme. Não é cinismo, nem ironia.



Esse olho no pôster, tudo a ver

De Palma, nessa grande fase, foi o grande cara a mostrar como o olho da gente tá falseado pelo cinema, sem que isso seja algo negativo. Ele simplesmente observa esse mundo louco cheio de objetos óticos, sem julgamentos redutores. Comprei Vestida Para Matar e Um Tiro Na Noite, R$ 12, 90 cada.

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Muita gente baixa filme hoje para burlar a inacessibilidade dos filmes, e eu faço isso muito. Só espero que o YouTube não vire essa vávula de escape. La Jetée, um dos mais belos filmes de todos os tempos, está todo no site, 28 minutos na íntegra, Tv não é cinema, mas ainda dá para ver, mas YouTube?



Paris do futuro

La Jetée pertence a um modelo narrativo chamado de diaporama. Na prática, um grande slideshow, com uma narração acompanhando as fotos. Não tem "imagem em movimento", definição básica de cinema, e o diretor Chris Marker definiu seu curta nos créditos como "photo-roman".

O filme é uma ficção científica feita em 62. Depois da terceira guerra mundial, Paris está devastada, e homens com fortes lembranças (têm mente poderosa) são escolhidos para voltar ao passado e tentar reverter a crise que provocou o conflito. Nosso protagonista é perseguido pela imagem de uma mulher testemunhando um assassinato no aeroporto de Orly. Quando volta ao passado, é com ela que ele vai se envolver num amor sem futuro, claro.



Sci-fi: a melhor de todos os tempos, provavelmente

Kléber Mendonça escreveu no Cinemascópio, hoje no estaleiro, uma coisa que sempre me pareceu ultra-sensata. Os filmes hoje tentam nos bombardear com muita imagem, e esse tem poucas, mas todas certas. É tudo foto!

Para ver essa pérola, há o dvd nacional. Incrivelmente, o único lugar em que achei foi na sempre eficiente locadora Vídeo & Cia, no Largo 2 de Julho. Para baixar muitos arquivos no Emule. Só não vale YouTube.

Obs.: No YouTube, o arquivo de melhor imagem tem áudio em inglês, que tira toda a beleza da narração original, francesa. Obviamente, não vou linkar.

3 comentários:

Anônimo disse...

já falei no msn, mas agora quero deixar publicamente registrado que in the mood for love redimiu o china aos meus olhos

Anônimo disse...

"Tiago A. escreveu recentemente um ótimo post sobre ironia contemporânea. Um dos aspectos, não exatamente da ironia contemporânea, mas do cinismo do nosso tempo, que faz parte do mesmo espírito, é a febre de citações. Na época gostei, mas acho que hoje detestaria ver Shrek, por exemplo, um filme que se constrói inteiro em cima das risadas que você dá porque entende referências. Que bosta".
Bravo!
Não li o post de Tiago, mas Shrek (2, 3, 4, aumenta enquanto a série cresce) é sempre o exemplo que me vem na cabeça quando penso nesse culto idiota da referência.
Também por isso 'Bob Esponja - O filme' é uma obra-prima: até no uso da referência a Baywatch ele é inteligente; ele põe a referência a seu serviço, e não o contrário.
Tem tudo a ver com o espírito nonsense, e totalmente infantil (no sentido de "bem feito e para criança") do desenho.
Saravá.

Pedro Britto disse...

sem nada a ver com este post, mas o que aconteceu ao nacocó?
previsão de retorno?
obrigado