quinta-feira, outubro 02, 2008

Nossa canção

Tenho certa suscetibilidade a algumas coisas impopulares, normalmente consideradas de mau gosto. Eu acredito piamente no romantismo de alguns filmes e cenas bregas. Nunca vi Forças do Destino até o fim; aliás, só vi trechos. Não sei o nome do diretor, roteirista, nada. Só sei que Ben Affleck está viajando para se casar e encontra Sandra Bullock num trem. O filme tem um bela fotografia.

Um fragmento dessa confusão me chamou a atenção, na frente da tv, numa Sessão da Tarde dessas que a gente vê pela metade: o ex-namorado da noiva de Affleck quer impedir o casamento, e canta para ela a "música do casal", numa voz terrível e desafinada, como último apelo. A canção é "Against All Odds", de Phil Collins, clássico dos cursinhos de inglês. A menina do filme fica balançada.



Há outros exemplos de inserção de música amplamente tida como brega em filmes muito mais sólidos do que imagino que Forças do Destino seja. "More Than This", do Roxy Music, cantada em karaokê numa das cenas mais lindas do incomensuravelmente sutil Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, é desconcertante. Vejam os olhares de Bill Murray e Scarlett Johansson... Acabei de ouvir a canção na versão original no YouTube, e provavelmente é só a boa lembrança do filme, mas... Pra meter o pé na jaca de vez, nos vídeos relacionados há uma versão do Roxy Music para Jealous Guy, de John Lennon. Não cheguem perto, porque é muito bom.

Eu podia continuar dando exemplos disso aqui, mas acho melhor parar com o grande Lars von Trier. Em sua obra-prima Ondas do Destino, ele divide a historinha em capítulos, do mesmo jeito que fez com Dogville. Cada passagem de capítulo dessas é feita com canções pop sobre imagens épicas de paisagens nórdicas - provável presságio do rompante divino com que o diretor nos presenteia no desfecho.



Quando os parafusos já estão todos apertados ao limite e ficamos próximos do sufocamento emocional, fica difícil não sair do eixo com Your Song, de Elton John, abrindo o momento definitivo dessa história de amor e sacrifício. O engraçado é que a idéia original de LvT era usar Life on Mars, de David Bowie, mas, exceto na versão dinamarquesa, a canção foi removida por problemas com direitos autorais.

Por que estou postando isso? Há uma idéia equivocada de que Caetano Veloso é adepto do mau gosto, por causa de suas recentes reciclagens do cancioneiro brega-popular. Ouvindo "Moça", de Wando, na voz de Caetano, só posso achar o contrário. As interpretações de Caetano destroem as versões originais e trazem essas músicas à luz de uma interpretação que não tem nada de simplória, e mantém o poder de emocionar sem apelar pro descabelamento. Não há nada de mau gosto nisso. O melodrama de Caê é de fina estampa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Você não me ensinou a te esquecer.

André Setaro disse...

Quando vi 'Ondas do destino' ainda não conhecia Lars von Trier. Mas saí do cinema, o falecido Art 2, em estado de êxtase. Depois vim a me lembrar que tinha visto outro filme dele, 'Europa', em vídeo. Mas, até hoje, depois de ter visto muitos outros filmes deste realizador, continuo a achar 'Ondas do destino' a sua obra-prima. Gostei de ver, entre os seus preferidos, 'Se meu apartamento falasse', que considero uma comédia perfeita, genial, diálogos inteligentes, dinâmica narrativa, enfim, um filme que preenche todos os requisitos para o encantamento diante da tela mágica. Infelizmente, para a nova geração, 'The apartment', tenho observado, é pouco apreciado, e assistido com muita apatia, assim como 'Picnic', de Joshua Logan. O pessoal, hoje, está 'em outra', salvo as sempre honrosas exceções de praxe. Seu blog está muito bom, mas precisa ser mais atualizado, mais 'postado'.