quarta-feira, outubro 22, 2008

A Questão Humana

Não sou especialmente entusiasta de Luiz Zanin Oricchio (o grande crítico do Estadão é Luiz Carlos Merten, um louco apaixonado por filmes, à prova de ponto parágrafo), mas ele acertou em cheio quando definiu A Questão Humana, de Nicolas Klotz, como o modelo acabado de cinema político contemporâneo. A alma do negócio é ser evasivo: o filme não tem interesse em amarrar suas pontas, fazer discursos ou apontar o dedo a ninguém, mas é absolutamente insuportável, e deixa o espectador com o coração pesado no caminho para casa.

Simon Kessler é psicólogo do setor de RH da filial francesa de uma multinacional alemã, o responsável pela demissão bem sucedida de 1,2 mil pessoas no plano de reestruturação da empresa. Um de seus chefes pede uma avaliação psicológica do diretor geral, que estaria tendo estranhas crises de tristeza.

No fim das contas, Kessler vai descobrir uma ligação da empresa com a engenharia do nazismo e dos campos de concentração. O diretor assistente, por usa vez, foi uma das crianças do programa de adoção criado por Himmler, e tem associações com uma organização de extrema direita.


Ainda assim, com tudo isso nas mãos, o filme recusa corajosamente o thriller. O encadeamento dessas informações é vago, sem relações de causa e efeito. A similiridade entre a neutralização da linguagem empresarial e a do nazismo existe, mas não é acentuada. A Questão Humana prefere deixar as pontas desse novelo soltas: o que interessa é a implosão emocional de seu protagonista, que ocorre à medida que descobre mais informações sobre o passado da multinacional, mas não exatamente por causa disso - até porque o filme passa longe do excesso de dados dos filmes de teoria da conspiração, como JFK, de Oliver Stone.

A impressão final é de que a ligação com o nazismo é apenas um estopim para que a convivência com a desumanização empresarial necessária ao trabalho do RH finalmente faça mal a Simon Kessler. Filmando um inferno gelado em tons frios de azul e ritmo nada condescendente com a platéia - A Questão Humana é longo, lento e deliberadamente exaustivo - Klotz vai muito mais longe que o bom similar americano Conduta de Risco (Michael Clayton), de Tony Gilroy.

O passaporte para o inferno de A Questão Humana, aliás, é o maravilhoso ator Mathieu Amalric, aquele homem que, sem exagero, entregou uma das melhores atuações dos últimos 20, 30 anos, em Reis e Rainha. Seu desafio no filme de Klotz - a representação de uma falência pessoal sem quê nem porquê exatos, arcos de personagem ou motivação - é cumprido sem esforço aparente. O cara é um gênio.

Sugestão para sessão dupla: O Que Você Faria? (O Método Grumholm), de Marcelo Piñeyro, já em DVD.

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