quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Dúvida / Simplesmente Feliz

Dúvida, de John Shanley, foi indicado a cinco Oscars, sendo quatro nomeações para o elenco: Meryl Streep é candidata a melhor atriz, e Philip Seymour Hoffman, Amy Adams e Viola Davis concorrem como coadjuvantes. A quinta indicação é a de roteiro adaptado - indicação para o diretor, que escreveu o guião a partir da peça dele mesmo. Tanta láurea, mas o filme presta?

A pergunta é difícil. O texto é ultra-afiado, uma parábola sobre a suspeita. No caso, a irmã Beauvier acha que o padre Flynn abusou sexualmente um adolescente, e, mesmo sem provas, vai tentar derrubar o sacerdote. Os atores são mesmo muito bons, com o destaque habitual para Meryl Streep, um primor de controle, no mesmo estilo de sua atuação em O Diabo Veste Prada. Ela veste o personagem por fora, e vai controlando aqui e ali, minuciosamente, as emoções que deve transmitir a cada nova cena. É uma atuação primorosamente técnica, mas não digo isso de forma pejorativa, já que, no fim das contas, tudo o que o personagem exige Streep entrega, e de maneira muitas vezes surpreendente.



Vendo Streep fazer o que faz aqui só me vem à mente a cena de A Mulher do Tenente Francês, em que seu personagem, uma atriz, interpreta a heroína romântica do filme-dentro-do-filme. Há uma cena de cair o queixo em que Streep passa de um personagem a outro no mesmo plano, sem cortes. Uma fração de segundo e o olho já é outro, e emoções completamente distintas vem à tona, na hora. Não é fácil fazer isso, e fico imaginando que Streep domina tão bem sua freira xiita que a qualquer momento seria capaz de evocar seu amargor.

Embora essa atuação seja coisa de detalhes só captados por uma câmera de cinema, fico pensando por que eu, espectador, deveria ver esse texto na telona, e não num palco. O filme é só elenco e texto, e a encenação é paupérrima, com tentativas desastradas de desteatralizar tudo com planos tortos... Não seria melhor ser completamente teatral, acreditando no fato de que o cinema é uma arte mista e comporta o teatro filmado, como bem nos mostraram filmes do porte de A Palavra, por exemplo?

Se um diretor não é capaz de pensar seu texto inteligente em cinema - Gotas d'Água Sobre Pedras Escaldantes, de Ozon, ou Uma Rua Chamada Pecado, de Kazan, filmes de texto completamente cinematográficos e brilhantemente editados/montados - é melhor apostar numa filmagem mais crua ou ou então não filmar. É melhor do que entregar uma coisa disforme e mal resolvida, como esse Dúvida. Meio termo não rola. Um texto tão bom, aliás, merecia melhor sorte. Polanski dirigiu a versão da peça nos palcos franceses, e seria uma excelente escolha para adaptação, mesmo que, na minha cabeça, o texto traga o clima de um Joseph Losey como Estranho Acidente.

***

O caso de Simplesmente Feliz, de Mike Leigh, é mais complicado. O filme é sobre Poppy, inglesa irritantemente feliz a ponto de ser absoluta e completamente irritante. Roubam a bicicleta dela e ela acha ótimo, vive querendo ajudar todo mundo e não há nada que a faça tirar o sorriso do rosto. É quase uma Amélie britânica, mas quando o filme começa a ficar insuportável, envereda numa direção completamente diferente: os reveses vão se acumulando e Poppy continua decidamente feliz, quase como uma autista, incapaz de perceber o que acontece à volta.



É de propósito? Estamos diante de mais um personagem que usa a carapaça da felicidade como defesa? O filme não dá essas respostas, mas faz questão de deixar bem claro que não compartilha a mesma visão de mundo histericamente alegre de Poppy, e mesmo que o resultado seja vago (sobre o que é esse filme?), o incômodo permanece. Enfim, um filme de muitas perguntas e poucas soluções.

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